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vazio

Há dias nos quais não há histórias dentro de mim. Olho por dentro dos meus olhos, vasculho minhas gavetas da memória e não encontro nada que eu queira escrever. Eu, que falo o tempo todo, às vezes também me calo, por dentro e por fora. São aqueles dias nos quais o barulho caótico dos pensamentos impede as frases de fazerem sentido.

Nada sei do lugar do outro, porque não estou lá e sim aqui, habitando este corpo, esta vida. Não sei dizer o que é ser outra pessoa, nem para o bem e nem para mal. Em muitas medidas, dividimos um mesmo mundo externo, mas habitamos uma ilha que é só nossa, de acesso restrito, onde cultivamos sentimentos inconfessáveis e desejos não ditos.

Aprendi que as vezes é preciso calar, sobretudo quando a voz que não calou, acabou por nos magoar. Em momentos assim, penso mil vezes antes de responder, escrevo e apago mensagens, e-mails, engulo palavras que voltam teimosas, num refluxo sem concordância ou pontuação. Com as exclamações entaladas na garganta, respiro fundo e me lembro de que os dias se sucedem, tal qual as emoções.

Todos, creio eu, temos nossos dias não tão felizes, aqueles nos quais sentimos que algo está fora do lugar, ou que nós mesmos assim o estamos. E registro que nem estou me referindo aos verdadeiros momentos ruins, mas apenas àqueles em que tudo parece meio esquisito, meio “coisado”. Acredito que as pessoas depressivas tenham vários dias assim, experienciando sentimentos que não conseguem traduzir. Não é o meu caso, porém.

Mas mesmo quem costuma ser bem-humorado, positivo, não está isento de tropeçar em palavras rudes, alheias ou próprias. E a palavra disparada é bicho doido, incapaz de ser convencido a voltar ao ponto de partida, cause o que causar. Para isso a maturidade tem me servido bem: o pensar antes de falar, o calar antes de magoar. Nem sempre de eficiência garantida, mas evitando muitos dissabores.

Hoje, mais cedo, pronta para um dia, cheia de energia após um delicioso café com pão e geleia, recebi de um quase completo desconhecido, algumas palavras que entendi não merecer. Eu nem mesmo deveria com elas ter me importado, mas a flecha que as disparou me acertou de raspão, o suficiente para fazer arder, para me chatear. Tal qual o corte provocado por uma folha de papel, doeu como não deveria.

Em um efeito cascata, mudei meu humor, minha expressão e logo depois até minhas palavras tinham outro tom. Fiquei me perguntando, à revelia do bom senso, o que eu havia dito ou feito para despertar a reação e as palavras que, como pedra de traque, foram inexplicavelmente capazes de me jogar ao chão. Vasculhei cada frase dita, mas nada encontrei. Não que eu seja inofensiva, porque não sou, mas aprendi que o veneno próprio também mata, contamina, então me calo antes de me ferir por conta de palavras pontiagudas.

Eu tinha outro texto em mente, a propósito. Era sobre uma saudade, daquelas felizes, que fazem rir o coração, mas fui incapaz de arrancá-lo de dentro de mim e optei por não fazê-lo a fórceps. Prometo-o para outro dia, porque para as coisas pequenas, uma noite de sono basta para isolar no passado os dias estranhos, doridos.

Para que não seja um dia perdido, dado o valor que atribuo a cada um deles, inestimáveis, irrecuperáveis que são, faço dele a lembrança de que nem tudo que nos vem à mente, deve chegar aos lábios, ao papel. Todo mundo tem suas próprias lutas, suas questões, seus sonhos, alegrias e dores. Nem sempre podemos resolver o que só ao outro compete viver, mas sermos gentis, empáticos e solidários, auxiliar ou ferir, está muito ao alcance de nosso arbítrio.

 Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária – /www.escriturices.com

 

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