Com as mãos repletas de sacolas, eu caminhava de volta para casa em um fim de tarde qualquer, quando vi algo na calçada, perto de um muro, que me chamou a atenção. Encolhida em um canto, quase imóvel, estava uma pomba. Era certo que não estava bem. Em uma olhada rápida, porém, não vi nenhum machucado. Tive ímpetos de trazê-la comigo, mas eu sequer tinha como carregá-la, onde colocá-la e muito menos sabia o que fazer com ela.
Nascer, viver e morrer faz parte do ciclo da vida. Fácil de compreender em teoria, bem mais complexo na prática. A existência humana, tão simples e tão indecifrável ao mesmo tempo, segue inspirando e enlouquecendo filósofos e poetas. E o tempo humano nem é perto de ser suficiente para seja possível um vislumbre sequer da vida. Quanto mais eu vivo, mais sei do tanto que me falta entender e menos sei do que imaginava conhecer. E nesse pouco ou nada saber, são os detalhes que mais me saltam aos olhos do coração.
Dediquei vários outros textos sobre meu afeto especial pelas pombas, aves vítimas de preconceitos e do desprezo humanos. Morrem todos os dias nas ruas das cidades, aos montes. Como se fossem folhas caídas de alguma árvore, morrem anônimas, varridas como lixo. Mas apesar do título deste texto, não é sobre pombas que escrevo. Ou talvez, não apenas sobre elas.
Peguei um pedaço de pão que havia acabado de comprar e, esfarelando-o com as mãos, deixei um pouco perto dela. Segui meu caminho, decepcionada comigo mesma, pelo nada que havia feito. Ter uma casa com seis gatos também não ajuda muito nessas horas. O abandono e a solidão de uma vida que se encerra em silêncio, sem direito a ambulâncias, a lágrimas, creio, é o que gravou a cena dentro de mim e o que a trouxe para o papel, nestas rápidas reflexões.
Quantas vidas se vão a sós, pelos cantos do mundo? Seres humanos ou animais, somos trazidos pelo milagre do nascimento, mas enquanto quase sempre há companhia, festejos e aconchego na chegada, a partida é tarefa que se experimenta sozinho, ao menos naquilo que é visível aos olhos. Fico me perguntando qual a dimensão que a alma, que a consciência tem de tal momento. O mais assustador é a certeza de que um dia todos saberemos.
A possível morte daquela ave não estampará primeiras páginas, nem mesmo ocupará obituários. Para o mundo que ignora sofrimentos alheios, no qual as pessoas perdem suas vidas pelas guerras, pelo ódio e intolerância, pela fome e outras mazelas, onde pessoas viram números, uma pomba moribunda é um nada e sua morte, é apenas um não existir.
Talvez o leitor se indigne com esse texto, com as linhas e tempo dedicados a um sofrer por uma ave comum, mas é sobre o como aquela morte diz também sobre cada um de nós, sobre como somos vírgulas inadequadas em um livro de páginas infinitas, sobre como o ponto final pode ser inserido no meio de uma frase qualquer, enquanto o autor pula para outro parágrafo.
Eu realmente acredito em um Criador, pois me parece impossível sentir o contrário, mas me parece tão cruel que não haja, para todos, bicho e gente, socorro e alento quando a vida se vai. Abro os olhos da imaginação e posso ver, ao lado da pombinha, outros tantos que ali estão para levá-la de volta ao princípio. Nada entendo, admito, de coisa alguma, mas este seria o Céu do meu livro da vida.