
Tudo começou com apenas uma. Um lar temporário, uma ajuda para alguns dias. Era para ser somente uma experiência, mas o destino, danado, meteu-se no meio e meu coração molenga, mais frouxo do que nunca, logo deu nome e um lar para a gatinha encontrada na rua. De lá para cá, dez anos depois, são seis os gatos que dividem conosco a rotina de uma casa onde também vivem duas cachorrinhas.
Para mim também parece uma loucura e, se há onze anos alguém me antecipasse o futuro, eu daria risadas e diria que “nem a pau” isso se concretizaria. Primeiro porque eu nem tinha uma proximidade com gatos e segundo que esse número me pareceria inconcebível. Ou seja, prova total de que não se pode “cuspir para cima”. Nada foi planejado. Só foi acontecendo, do jeito que a vida gosta de roteirizar, sem ensaios, em tomadas únicas. E cá está a Chica Maria, uma frajola desconfiada, mas que adora aparecer na frente da câmera sempre que estou em reunião por vídeo ou lecionando por meio de vídeo conferência.
Em verdade, ao total, já foram oito gatos, mas nunca ao mesmo tempo. Uma filhotinha, a Mini, ficou por pouco mais de um mês, vitimada por uma enfermidade que veio com ela ao mundo. Minha tricolor minúscula, que cabia na palma da mão, deu lugar a uma de suas irmãs, a Nina, que hoje é minha gata sombra, seguindo-me a todos os lugares e que faz de mim, sempre que pode, o seu colchão.
O Bento, meu pretinho básico, arteiro, resgatado por mim, bem filhote, sozinho e perdido em uma rua, era surdo e doido. Escalava os locais mais improváveis, como um moleque que era. Franzino, de imensos olhos amarelos, era doce, amoroso. Foram sete anos de muita diversão e sustos, até achá-lo dormindo, quase um dia depois, despreocupado, dentro de um armário na área de serviço. Uma doença renal, injusta, arrancou-o de nós, cedo demais.
Sem programar, os demais, em anos diversos, foram chegando. Belinha, ganhou passe livre quando, em uma feira de adoção na qual chegamos de forma inadvertida, dormiu no nosso colo, ainda filhotinha. Lika, vítima de abandono e maus tratos, branca de olhos azuis, incapaz sequer de se defender dos ataques de ciúmes da Nina, parece uma pelúcia e deixa nossas roupas todas como testemunhas públicas de que temos gatos em casa.
Lili chegou depois da partida do Bento. Com o rabo quebrado, parece mais um coelho. Um coelho frajola gigante, porque, com um ano apenas, é a maior dos gatos da casa, comendo em quantidade suficiente para fazer merecer o título. Por derradeiro, temos o Léo, único gato adotado já adulto, descartado na rua por alguém que já não o queria mais. Talvez tenha sobrado na mudança ou na herança. Nunca saberemos. Amarelo, com imensos olhos azuis, é dócil e parece, quase um ano desde que chegou, que sempre morou aqui.
Nunca pensei que o termo “gatificação” de uma casa pudesse significar mais do que instalar casinhas e prateleiras pelas paredes. Nossa casa é “gatificada” também pela rotina de garantir que não haja cheiro, que não falte comida e água para os exigentes felinos que não comem sachê amanhecido. Inclui ainda um rodízio para evitar que o bullying praticado pela Nina não arranque tufos dos belos brancos da Lika, além do cuidado de não deixar plástico à vista, pois a Belinha tem compulsão em mastigá-lo.
Perdi as contas das vezes nas quais pedi desculpas por um rabo de gato aparecendo diante da câmera, no meio de uma audiência, de uma aula ou de uma reunião. Em geral, recebo sorrisos, porém. Ou melhor, eu não: os gatos, sempre mais interessantes. É uma rotina maluca, cansativa e onerosa, porque não é barato mantê-los, e às cachorras, saudáveis, limpos e bem alimentados.
Em retrospectiva, se eu soubesse como seria, faria tudo de novo? Sim, com certeza. Cada um deles vale e valeu a pena. Vivemos histórias incríveis, impensáveis, que valem por sete vidas. Sete vezes oito.
Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e, a cada dia mais, a “doida dos gatos”- /www.escriturices.com.br
