
O dia está nublado, típico de São Paulo. Quase dez horas da manhã e dentro de casa sinto o frio que me impede de tirar as roupas de verão da hibernação involuntária. Estou na maior cidade da América Latina, mas tenho a alegria de escutar o sabiá apaixonado, que canta desde a madrugada. Outros pássaros também se fazem ouvir, como as maritacas, barulhentas, que já vieram à janela do meu quarto reclamando o habitual café da manhã frugal.
Ao meu lado, devidamente acomodadas em cadeiras, dormem minhas duas cachorrinhas, enquanto eu aguardo que meus alunos terminem a última avaliação do ano. Nem sempre há reciprocidade entre alunos e professores. Aprendi isso depois de mais de vinte anos lecionando. Neste semestre, porém, tive sorte, de modo geral. Despeço-me já com saudades das turmas, especialmente desta. Foram sextas-feiras divertidas e de muita troca, porque nunca deixo de aprender.
Acredito, inclusive, que aprender é o que faço de melhor, sem qualquer falsa modéstia. Penso que como professora sou dedicada e bem-intencionada, mas como o que ensino chega até o outro, não está no meu controle e nem mesmo é de meu inteiro conhecimento. Mas ter ouvidos e olhos abertos para passar por esta existência, menos ignorante, é de minha responsabilidade. E nem me refiro ao conhecimento formal, acadêmico, dos livros e tratados humanos.
Acredito que a natureza é, foi e sempre será minha mestra, minha inspiração e meu refúgio. Nas coisas mais simples, as maiores e melhores lições. Em algum momento a humanidade se arvorou de ser o centro da Criação e, desculpem-me os religiosos mais extremistas, pois não acredito absolutamente nisto. Em nome desta crença, inclusive, muitas barbáries foram, são e ainda serão cometidas. Todos os dias destruímos um pouco do planeta em que habitamos e só isso já bastaria para entendermos que não somos as melhores coisas deste mundo.
Neste momento em que escrevo, meus pensamentos estão assoberbados com preocupações mundanas, cotidianas.
Admito que tento, na maior parte do tempo, impedir que me invadam e que roubem a minha paz, mas hoje não consegui.
Com dor de cabeça, coração acelerado e cansada. Olho para os lados, porém, e as vejo ressonando, dormindo o verdadeiro sono dos inocentes, sem preocupações, sem temores. Quem de nós está certo? Quem vive melhor? Como certeza, não sou eu.
Minhas cachorras, por óbvio não fazem ideia de que há contas a serem pagas, que há sentimentos a depurar, que há provas a corrigir. Todo os dias almoçam quase a mesma coisa, mas recebem o prato de comida como quem tem maná à frente.
Basta dizer um “vamos” e a alegria de anteverem uma caminhada por alguns quarteirões as deixa em êxtase. Qualquer hora é hora para um carinho, para uma brincadeira, porque a paz nelas habita, na simplicidade de uma existência pura, sem as pequenas grandezas humanas.
Não estou, porém, afirmando que os animais são melhores do que os seres humanos, embora, creio que se aplica a alguns, mas apenas que há muito o que aprendermos, nós, os evoluídos e senhores da Terra, com os companheiros que conosco dividem este planeta, este plano, esta louca e divina existência. Talvez vivêssemos menos afobados, correndo por nada e para nada, porque, de fato, convenço-me disso a cada dia, o essencial está no simples, no gesto, na gratidão, nos pequenos e insubstituíveis prazeres da preguiça das horas que não se sabem finitas a qualquer instante.
