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quindim de liquidificador

Quantas vezes deixamos de dar valor ao que realmente importa? Acredito que o tempo todo, embora não todo o tempo. Às vezes, inclusive, por puro esquecimento, perdidos nas pequenezas das supostas necessidades e querências da sociedade moderna.

Em algum momento se está chateado pelo celular que deixou de funcionar perfeitamente, pela roupa que ficou apertada, espremida pelas comemorações entre amigos ou família, pela viagem que o dinheiro não conseguiu financiar, pela forma como algum desconhecido nos tratou em um atendimento ao consumidor ou com a política nacional.

Nem dá para fugir de tudo isso, para sermos francos. É natural que sejamos atingidos de algum modo pelas coisas que nos cercam. Assim que o pacto social se confirmou, quando passamos a viver na imensa e paradoxalmente minúscula aldeia global, deixamos de ser isolados, restritos, para passarmos a ser coletivos, compartilhando as mais variadas experiências, boas e ruins.

O problema está em nos concentrarmos apenas nisso, nesta faceta de nossas vidas, sem reservarmos um minuto que seja ao imenso dos momentos simples e singulares. E quando nos damos conta, vira hábito reclamar de quase tudo e por quase nada. Basta olhar ao redor, inclusive no espelho, para reconhecer a irritação das pessoas, a falta de paciência, o esquecimento de o quanto a vida humana é um nada, um átimo, um sopro.

Conversando um amigo, ouvi dele sobre a situação da namorada, acometida por um câncer, em uma luta que já se alonga por mais de três anos. Enquanto ele descrevia o quadro, grave, de muitas complicações, internações frequentes e longas, cirurgias invasivas e tratamentos dispendiosos e extenuantes, fiquei comovida pela atenção e carinho que ele dedica a ela, mas que também o consomem pouco a pouco.

Ela gosta bastante de doces, mas está impedida de ingerir muito açúcar, segundo ele contou. Um dia, porém, ela o recebeu feliz porque o médico permitira que comesse um quindim, o doce favorito dela, depois de um longo tempo proibida de fazê-lo. Não poderia ser um inteiro, entretanto, mas alguns pedaços, desde que se retirasse dele a parte cremosa, mais amanteigada. Naquele dia, depois de três pedaços de um quindim amputado, ela sorriu como havia muito não era capaz. E ele, ao contar-me isso, sorriu também.

Segurei as lágrimas e me despedi, sentindo o peso do que não fora dito, mas que ficara no ar, quase palpável. Naquela tarde, quase nada mais me importou. Almocei um lanche com batatas, comi meu chocolate preferido, sorri para os meus amores, respirei fundo e lentamente, certa de que o dia seguinte me levaria de volta às ocupações e contratempos diários. Nunca mais, entretanto, olharei ou comerei um quindim sem me lembrar de que a felicidade pode se abrigar nos mínimos detalhes e o quanto cada detalhe importa, ainda que a gente se esqueça disso.

 

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e precisa comer mais quindim – /www.escriturices.com.br

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