
Estive uma única vez no Rio de Janeiro e a trabalho. Andei um pouco pelo centro antigo, que achei parecido com o centro histórico de São Paulo. Uma beleza boêmia, saudosa, oculta em parte pela sujeira, pela falta de conservação e de políticas públicas voltadas ao patrimônio histórico e à assistência social. Nunca deixei de achar irônico que enquanto turistas vêm ao Brasil para conhecer um de seus cartões postais, eu não me sinta segura ou motivada para fazer a mesma coisa.
Nem acredito que o Rio seja mais perigoso do que a capital paulista, onde moro há quase dezenove anos, mas tenho um receio, talvez irracional, daquela cidade que, não tenho dúvidas, tem uma beleza ímpar e que, antes da presença humana, deve ter sido um dos lugares mais lindos do mundo. A poluição, a sujeira, violência e o descaso de décadas, transformaram a cidade em uma bomba relógio que, de tempos em tempos, explode com alcance de longa distância, como o ocorrido neste outubro de 2025.
Mais de uma centena de mortos em um conflito entre bandidos e policiais revelam que há muita coisa errada, resultado de omissões históricas. Populações isoladas em comunidades gerenciadas pelo tráfico, pelo crime organizado, onde o poder paralelo domina e, pior, é romantizado e até relativizado em produções cinematográficas, dando voz e popularidade a homens e mulheres que, nas redes sociais ostentam o luxo entre o lixo, transformando-se em ícones para milhares de jovens sem expectativas, oportunidades ou referências melhores, cria-se um ciclo auto alimentante.
Não defendo a violência gratuita, muito menos a intolerância e não duvido de que, entre os mortos, haja também pessoas de bem, trabalhadores, mas não é possível ignorar que ali havia uma guerrilha, munida de armamentos de grosso calibre, com elementos com vestimentas camufladas e que se lançaram contra a polícia em confronto direto. Talvez haja uma forma melhor de combater a violência e o crime organizado? Não sei se era possível abordar com flores, no atual estado de coisas. Acredito que preventivamente, porém, sim, com investimentos e ações que ou nunca são feitos ou que não encontram campo fértil, como educação, melhores condições de trabalho e com o efetivo combate à desigualdade social e à corrupção, mal maior que se infiltra em todas as esferas de poder e da sociedade.
Lamento, sobretudo, pelos policiais que ali estavam a trabalho e que perderam suas vidas. Com eles morrem também as famílias e muitas esperanças. Sinto também por todos aqueles que perderam seus familiares, pelos seres humanos por detrás de cada vida que se foi nesta verdadeira guerra civil, mas não nos esqueçamos também de todas as vítimas diárias dos sequestros, dos roubos, dos homicídios, latrocínios e outros tantos crimes. Não é possível normalizar um ódio à atividade policial e encontrar todas as justificativas para defesa de quem escolhe o caminho do crime, mesmo que, ao fundo e ao cabo, possa nem sempre ser uma escolha. Não dá, em sã consciência, para vitimizar o traficante, sem resvalar no ridículo e no irresponsável.
E assim outubro de fecha, com nosso Halloween tupiniquim, um horror ao nosso próprio modo. Inaugurou-se a caça às bruxas, cada um mirando a vassoura para o lado oposto. Algo precisa ser feito para deter a criminalidade e, ao meu sentir, várias ações precisarão ser concatenadas para que, um dia, o Rio de Janeiro possa ser outra vez de fevereiro, março e outubro. Sei que continua lindo, mas por ora, às Terezinhas, deixo só aquele abraço, a distância, no desejo de que haja um meio neste caminho, pelo bem de todos. Um dia, quem sabe, possamos todos nos sentir protegidos e seguros sob os braços do Redentor, para admirar o esplendor da Guanabara.
Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e registra seu respeito às famílias enlutadas – /www.escriturices.com
