Algumas perdas se qualificam pelo título deste texto. Talvez o tempo possa trazer algum consolo, algum alento, mas acredito mesmo que nada seja capaz de consolar o coração daqueles que perdem, de forma repentina, um ente querido, sobretudo vítima da violência.
Neste momento em que escrevo, fevereiro de 2025, o noticiário nacional reportou a morte de um ciclista, vítima de um roubo. Levou vários tiros, sem que tivesse esboçado qualquer reação. Uma vida por um celular. Parado, talvez descanso da pedalada matinal, conferia as mensagens no celular. Em uma moto, dois criminosos apareceram, mesmo após levarem o aparelho, ceifaram a vida daquele que julgava viver uma manhã qualquer, comum.
Não faltou quem culpasse a vítima, afinal, falava ao celular em plena rua, sem cuidado. O absurdo disso é evidente. Invertidos os papéis, os bandidos são vítimas da sociedade, merecedores de escusas falsamente moralistas e de pautas lacradoras. Quem morre, por outro lado, morreu porque foi incauto, porque ousou existir sem pensar na morte e na violência gratuita. O paradoxo é tal, que me faltam palavras, ao menos aquelas que posso publicamente manifestar, porque em tempos de cegueira coletiva, até piscar o olho é risco de vida, real e virtual.
Noutro caso, dias depois, olhando minhas redes sociais, vejo, com o coração sobressaltado, a postagem de uma amiga, despedindo-se do filho de dezessete anos. Morto da mesma forma, a tiros, por dois motoqueiros, um deles com bolsa de entregador de comida, na covardia daqueles que são corajosos atrás de uma arma, ocultos sob capacetes ou máscaras.
Mesmo socorrido pelo pai, no carro simples da família, foi atendido no hospital, mas não sobreviveu. Mal tinha começado a vida e já anunciou a hora da partida, como diria Cartola.
Uma partida involuntária, repentina, abrupta, que estraçalhou os corações dos pais, dos irmãos, dos amigos. Uma presença que agora é dor, uma ausência não sublimável.
No primeiro caso, tudo aconteceu em uma área nobre da cidade de São Paulo. No segundo, em uma área de comunidade, na mesma cidade. A violência e a morte nos igualam, caros leitores. No fim, somos apenas corpos, feitos de sangue, pele e ossos. Frágeis, nada podemos diante do nosso lobo: o próximo. O que resta, em um caso e em outro, é a tristeza pelos planos interrompidos, pelo dia seguinte que não haverá, pelo abraço que restou sem ser dado.
A vida humana nunca valeu tão pouco. Em que momento perdemos o respeito pelo outro? O que faz com que alguns se considerem senhores do destino alheio, decidindo, em um aperta de dedos, quem vive e quem morre? Não sei o que pode ser feito para mudar esse estado de coisas, nem mesmo se isso é possível ainda, admito.
Tudo o que posso dizer é que lamento demais ver o choro daqueles que foram privados dos seus amores, da chance de um futuro que desapareceu, vitimado pela ganância, pela crueldade, pela banalização do valor das pessoas diante do valor das coisas. Não há consolo que possa vir de palavras. Os abraços acolhem os corpos, mas não são capazes de curar as almas destruídas. Indignação é o que define, tão somente.