Aprendi que a coisa mais difícil de envelhecer não é o fato em si. Quando se tem uma saúde razoável, a gente aprende a lidar com os cabelos brancos, com as rugas, com os óculos para leitura, com uma dor aqui e outra acolá. Para tudo isso há jeito e adaptação. Se não houver, ainda é possível fazer piada, já que rir é bálsamo. O complexo, o que dói, são as despedidas, é a constatação de que o tempo que traz é o mesmo que leva.
Tenho tentado viver na gratidão de cada dia, de cada hora, mas nunca estamos, de fato, preparados para as partidas, ainda mais as repentinas, as prematuras. Já entendi que as coisas acontecem num repente, em um dia qualquer. A morte não espera, necessariamente, estarmos com a roupa de ir, eis que nos arrebata de susto, enquanto fazemos nossos minúsculos planos. E talvez, penso aqui, tenha mesmo que ser assim.
Alguns dias atrás, enquanto atendia uma cliente ao telefone, vi, de relance, uma mensagem no meu celular. Como assim? Por certo eu havia lido errado. Tao logo desliguei, fui conferir a informação e sim, era verdade: uma amiga, de 45 anos, se fora, inexplicavelmente, depois de uma febre repentina. Em choque, relembrei nosso percurso na amizade, iniciada pelo amor à literatura infantil.
Em 2024, depois de muitas tentativas, consegui participar de uma Oficina de literatura infantil, ministrada pelo Prof. Celso Sisto. Em grupo formado por doze alunas, logo me aproximei da Aline, moradora do Rio de Janeiro. Trocamos muitas mensagens de áudio, partilhando opiniões sobre o curso, sobre a experiência de escrever.
A partida repentina do professor, poucos meses depois do término do curso, nosso grupo se fortaleceu. Além de escritora, Aline era ilustradora e muitos eram os projetos de que, em breve, ela ilustrasse os textos de todas nós. Um deles, inclusive, estava prestes a ser lançado. Dias antes de sua inexplicável passagem, ela comentou, cheia de alegria, a boa nova no grupo.
Nunca nos conhecemos pessoalmente, exceto pelas câmeras e outros meios virtuais. Sempre havia, no entanto, aquela esperança de que um dia o faríamos, como se o tempo fosse eterno e linear, sem rupturas. Foi um choque para todas nós, sobretudo pelo fato que ela deixou um filho pequeno, um menino amante das letras, dos livros e das cores. Era dela o pequeno aprendiz, sempre ao seu lado.
Fui buscar nossas mensagens, resgatar alguma memória, algum som, mas descobri que, por uma configuração do aplicativo, estavam todas apagadas. Agora, só nas minhas lembranças elas existem. Até mesmo virtualmente, nossos passos vão se apagando da história, tristemente. Não somos, apenas estamos.
Há dias, admito, nos quais acredito fortemente em reencontros, em planos diversos. Em outros, no entanto, sinto-me poeira da existência, molécula de uma máquina que gira à revelia das pequenezas humanas. Quando recebi, porém, a imagem dos barquinhos de papel que o menininho colocou junto ao corpo da mãe, com mensagens de despedida, desejei, mais do que nunca, que haja portos nos quais eles possam atracar, levando as saudades e amor daqueles que ficam, na esperança de novos, ternos e eternos abraços.
Tenho conseguido entender e administrar as restrições que o tempo impõe a mim e aos que amo, mas ainda não sei lidar com as partidas, com os vazios que seguem criando lacunas nos nossos laços terrenos. “O acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído”, escreveu minha amiga, ao lado de uma de suas ilustrações, o trecho de uma das músicas da banda Titãs e eu só fico me perguntando se ela deixou de se distrair ou se o Acaso tinha outros planos... Até qualquer hora dessas, Aline, se o Acaso, assim, o quiser.