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bento

Há quase sete anos escrevi um texto pela chegada dele. Encontrado na rua em pleno dia 31 de dezembro, estava embaixo de um carro e veio até mim quando eu o chamei.

Magrinho, maltratado, presumi que nascera em algum quintal abandonado. Dócil, aninhou-se nas minhas mãos, como quem chega em casa. Naquele momento eu soube que, embora não tivesse planos de ter mais um gato, aquele pretinho minúsculo, com barriga grande de vermes, ficaria comigo para sempre. Pena que o sempre durou pouco.

Bento Marquinho foi seu nome de batismo. Não cresceu muito, mas em pouco tempo era outro gato, um pretinho reluzente, com olhos amarelos sempre atentos e brilhantes.

Quando filhote, aprontou todas e mais algumas. Desconfio que uma das sete vidas dele tenha sido descontada ainda na infância. Subia nos lugares mais improváveis e deles também caiu algumas vezes, deixando-me desesperada para, segundos depois, rir dele andando normalmente, todo blasé.

Foram anos incríveis, de muitas risadas. Tinha o hábito de andar de lado, com os pelos arrepiados, quando o nosso cachorro salsicha, o Peteco, aproximava-se dele. Juntos coreografavam passos de capoeira que, hoje, talvez, tenham voltado a praticar em conjunto, lá do Céu dos bichos. Temos nossas teorias familiares secretas sobre o que rolava entre os dois, mas o fato é que ele desafiava o cachorro, deitando-se na caminha dele, fosse quando estivesse vazia ou ocupada, momento no qual deitava-se ao lado do outro, como quem dorme na cara do perigo.

Alguns meses depois que chegou, recebemos em casa a último felino, considerando-se as vagas disponíveis. Lika, um filhote vítima de maus-tratos, foi por ele adotada e juntos viveram um grande amor. Pareciam ying e yang. Branca de olhos azuis, também extremamente mansa, tornaram-se companheiros inseparáveis. Bastava procurar por um para encontrar o outro. Dormiam enrolados, nas poses mais inusitadas e fofas.

Ainda que fosse magrinho, um dia percebi que estava ainda mais. Eu havia ficado fora por alguns dias e bastou colocar meus olhos nele para saber que algo estava errado.

Consultas, exames e uma internação depois, ele estava de volta a nossa casa com o diagnóstico de ser renal crônico. Aquilo acabou comigo. Sempre soube que aquele era um problema recorrente em felinos, mas nutria a sensação de que não aconteceria conosco ou, na pior das hipóteses, somente na velhice deles.

Busquei entender mais sobre a doença e fiz tudo que me indicaram. Em alguns meses ele estava praticamente recuperado, ainda que com visitas semanais ao veterinário para tomar soro. Voltou a fazer arte, a procurar o meu colo para se aninhar. Ganhou peso. A vida parecia estar onde eu a queria. Durante um ano as coisas foram bem. Até que eu senti que algo, outra vez, estava fora do lugar.

Desta vez, porém, por mais que eu tenha tentado, em pouco mais de um mês a saúde dele se deteriorou de modo irreversível. Nos últimos dias, já não comia, estava fraquinho e chorava quando eu o levava nas sessões diárias de soro. Na noite anterior à partida, eu o coloquei embaixo das cobertas e lá ele adormeceu ao meu lado. Partiu naquela manhã e eu estive ao lado dele, acariciando-o até que o fim chegasse. Agradeci o privilégio de uma vida compartilhada. Foram sete vidas em sete anos e eu as viveria todas novamente.

Restam a saudade e a tristeza de uma vida curta demais. Espero ter feito o meu melhor pelo gatinho que amei à primeira vista. Fui feliz e fico no desejo de que ele também o tenha sido. Bento, meu amorzinho, a gente se vê por aí.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e fica de luto por todos as as criaturas que ama – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br