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ampulheta

Estava cá eu pensando sobre o que escrever nesta semana, já com o tempo apertado e passado um pouco do prazo em que costumo enviar meus textos. Quase sempre me surge um assunto novo, assim de repente, enquanto caminho pelas ruas.

Hoje, porém, é um daqueles dias nos quais embora muita coisa esteja rodopiando entre minhas ideias, nada está exatamente implorando para vir ao papel.

Eu não sei você, leitor, mas vivo com a sensação de que aquele que dirige o carro do tempo esqueceu o pé no acelerador.

Mal pisquei e já foi meio ano que até ontem era novo e cheio de promessas que nem foi ele quem fez, mas que já segue descumprindo rebeldemente. Enquanto revirava minhas memórias em busca de algo sobre o que valesse escrever, meu celular me trouxe lembranças de vinte anos atrás.

Para os jovens, duas décadas são quase sinônimo de uma vida inteira. Aqui, para esta escritora ex-jovem (acho inclusive que vou me denominar assim de ora em diante, rs), parece que foi semana passada. Há vinte anos, neste dia, minha família perdia minha avó materna, exatamente quatro dias depois da paterna. As duas se despediram de nós quase ao mesmo tempo, quase como se tivessem combinado uma viagem juntas. E ainda que eu saiba que a vida é um misto doido de chegadas e partidas, acho injusto não podermos fazer uma chamada de vídeo para dar conta da saudade e do viver.

E ao me lembrar das duas vieram junto as melhores lembranças, aquelas que escolhemos preservar para preencher o livro que vamos editando dentro de nós para que as coisas possam fazer algum sentido. Dona Nena, que nunca dispensava um bom copo de cerveja, ou de “cerva” como ela dizia, servida em doses homeopáticas, um copo no almoço e outro no jantar, sempre acompanhado de um brinde e um sorriso banguela. Para preservá-la nem irei revelar que raramente era só um copo, mas ressalto que as risadas eram sempre em maior quantidade. E é assim que escolho me lembrar dela, com essa imagem gravada em mim.

Convivi menos com minha avó Tita, mas é curioso como nossa mente parece registrar momentos e fatos que talvez passassem batido se nos fosse pedido para escolher aleatória e objetivamente. Dela me lembro da casa organizada e dos muitos potinhos que guardava vazios na dispensa para guardar coisinhas. Herdei dela o gosto por miniaturas, por potinhos e vidrinhos que luto para não acumular. Mas é do doce de leite, Ambrosia, que me lembrarei eternamente. Nunca mais comi outro tão bom e uma das últimas cenas que tenho comigo foi quando me entregou um de seus vidrinhos, repleto do doce, dizendo-me que fizera para mim, porque eu gostava.

Gostaria de ter vivido mais com elas, mulheres incríveis e tão diferentes entre si, pessoas de verdade, com virtudes e defeitos, mas que compõem meu DNA, que me deram os melhores pais que eu poderia ter. Sou outra, mas também sou elas. Um brinde à vida, com cerveja e com Ambrosia, o amargo e o doce de que é feita nossa existência. Se possível, intercedam ao Criador para liberação das chamadas vida FaceTime ou WhatsApp mesmo. Amei vocês como fui capaz. Amo agora pelo que não fui capaz de entender.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e sem assunto, encontrou outro que não sabia ter dentro de si – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br