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ouvinte

Entre minhas orelhas há bem mais barulho do que entre meus lábios. Mas nem sempre foi assim. Impulsiva, preferia falar a ouvir. Até que a vida me impôs silêncios forçados e percebi um pouco melhor o mundo a minha volta. Foi quando me dei conta de que quase ninguém escuta o outro de verdade, ainda que ouça de forma geral. Há uma urgência em falar, porque todos querem a palavra, mesmo quando nada têm a dizer, sem nem notarem que quase ninguém está escutando.

Fico pensando que talvez seja por isso que tanta gente quer ser influencer, ter seu espaço nas redes sociais para dizer o que pensa e o que nem pensa. Há o desejo pela fama, pela notoriedade, mas me parece que, no fundo, é a pura necessidade de falar sem ser interrompido. O que não se quer e que me parece um papel em extinção é a figura do escutador, alguém que de verdade pare para entender o que se transmite, mas creio que um “escutencer” não seja “carreira” almejável.

Talvez, ainda, seja esse o principal motivo pelo qual hoje muitas pessoas querem escrever. A escrita é um processo de falta ininterrupta, mas, por outro lado, também é de auto escuta. A voz que se materializa em palavras fluindo pela ponta dos meus dedos vai ecoando ao mesmo tempo pela minha mente e preciso me escutar antes de ter coragem de me colocar no papel, à vista alheia. Sem dúvida, porém, é a minha melhor chance de me fazer escutar.

Por outro lado, enquanto parece aumentar o número de aspirantes a escritores, o de novos leitores não cresce na mesma proporção, porque a leitura é uma escuta das mais difíceis, eis que silenciosa, que se concretiza dentro de nós, pedindo pelo nosso olhar e pela nossa atenção. Vejo com tristeza uma geração de jovens, com louváveis e cada vez mais raras exceções, que acostumados ao desejo de protagonizar falas ou de sequer fazer parte delas (o que é sim um problema), deixam-se no automático, incapazes da escuta que um leitor deve exercitar.

E de tanta gente falando sem ser escutada, abre-se espaço para o sentimento de solidão acompanhada, de se estar falando sozinho. Basta perceber quantas vezes somos interrompidos no meio de uma frase, sem termos a oportunidade de terminá-la, porque o outro ter contar algo sobre ele. Isso sem dizer da imensa maioria das pessoas que conversa enquanto olha para a tela do celular, esquecidos de que a conexão começa pelo olhar que se encontra, que recebe, que acolhe.

Vou entendendo assim algumas razões pelas quais se prefere hoje o envio de mensagens gravadas a uma ligação com trocas em tempo real: é tanto para falar o quanto se quer sem interrupções, quanto para ouvir o outro sem escutar, inclusive disparando a velocidade em que isso é feito. Admito que nesse ponto há vantagens e desvantagens.

Há tantos sinais de que a modernidade confere os tais lugares de fala aos que antes não tinham voz, o que é sim um avanço e uma conquista, mas eu me pergunto se falar é tão mais importante do que ter quem ouça, já que falar por falar podemos fazer até para as paredes.

O problema, ao meu sentir, é que muitas vezes tudo o que se quer é ser escutado, pois a escuta real é empática e acolhedora. E se é verdade que profissionais podem escutar, registro que são pagos para isso, mas que mundo estranho e cruel onde se lutou por tantas liberdades e onde, para ser escutado pode ser preciso pagar. Até porque uma coisa nem exclui a outra. São mundos, lugares e propósitos diferentes, embora na raiz possam ter um denominador comum.

Ser escutado é um privilégio e um luxo moderno. Ser um ouvinte escutador é um exercício constante, um sinal de respeito, de amizade e de amor. Sem escutas verdadeiras a gente implode aos poucos, tijolo a tijolo, célula a célula.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e valoriza seus lugares de escuta – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br