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casa de repouso

Durante toda minha vida tenho frequentado casas de repouso ou asilos de idosos, como preferirem denominar. Primeiro ia com minha mãe, depois como uma de minhas irmãs, amigos e amigas. Admito, porém, que nunca deixa de ser uma experiência que me causa sentimentos dúbios e contraditórios.

Por certo que quando se trata desse tipo de instituição é possível encontrar desde aqueles que são verdadeiros e infelizes depósitos de idosos até os que se assemelham a clubes de férias. Seja como for, assim como os abrigos para crianças, embora fosse preferível que não existissem, são necessários e, muitas vezes, a única opção possível de moradia.

Há poucos dias, aqui na cidade de São Paulo, estivemos, alguns amigos e eu, visitando um lar de idosas. O lugar, embora simples, é muito limpo, arejado e se assemelha a uma pequena vila, tendo uma imensa árvore no meio e uma capela ao fundo. Filantrópica, a instituição abriga atualmente dezesseis idosas, com idades que vão dos 71 aos 103 anos.

Preparamos um café da tarde para comemorarmos o mês das mães e, em uma tarde de sábado, passamos algumas horas ouvindo histórias de vidas tão longas quanto incríveis.

Todas estavam arrumadas, usando colares, pulseiras e tinham um cheirinho de casa de avó, pois o asseio era indiscutível.

Posso até estar enganada, mas todas me pareceram muito bem tratadas e cuidadas. Porém, embaixo dos sorrisos e entre os olhares, eu me peguei imaginando outras camadas de vidas que, de tantos modos, estão exiladas, mesmo que voluntariamente. Uma das residentes, por exemplo: estava ali havia poucos dias e carregava no rosto um sorriso pela metade, um estranhamento de quem esperava acordar de um sonho ruim, embora saiba que a saída dali é extremamente improvável.

A mais velha delas, uma mulher centenária, nascida em 1921, estava em uma cadeira de rodas e dormia o tempo todo, exceto ao ser levada ao refeitório, quando acordou o suficiente para comer bolo, salgadinhos e mini sanduíches. Era como se estivesse já com um pé em cada lugar, ficando por aqui apenas para cumprir o restante de uma estadia que se alongou para além do planejado. Gosto de imaginar que do lado de lá (seja lá onde for) ela pede a todos que esperem um pouco enquanto ela dá um pulinho aqui.

Havia uma outra, prestes a completar 100 anos, com batom aplicado tão acima dos lábios que quase tocava o nariz, mas pareceu-nos a maquiagem perfeita, sobretudo quando nos demos conta de que, aos 99, ela ainda se preocupava em passar batom, qualquer que fosse o resultado disso.

Uma descendente de libaneses, falante e alegre, quase aos 90 anos nos contou, aos risos, que já enterrara alguns maridos, todos fazendeiros e acredito mesmo que seja verdade, embora tenha preferido nem perguntar se o fizera pessoalmente. E enquanto uma outra me contava que já morava lá havia 22 anos, lamentando-se somente por não ser possível ter animais de estimação, outra chorava porque agora era cadeirante, depois de um mal súbito. Ex-funcionária, tinha 40 anos de história de vida no local e dizia não suportar mais.

Ao final do nosso encontro, agradecidas, fizeram-nos prometer outras visitas, cantando para nós uma paródia de uma música do Roberto Carlos. Difícil sair de lá sem dezenas de reflexões. Tantos textos se formaram na minha cabeça, alguns mais tristes, outros menos, mas por hoje foi o que consegui colocar no papel. Impossível sintetizar vidas tão diversas e longas em uma única lauda. Talvez outras histórias venham em breve, porque eu gostaria de compartilhar mais dessas vidas um tanto solitárias, comuns e únicas como a existência costuma ser.

Nossa próxima visita? Já marcada na agenda para junho.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e foi seduzida por um bando de velhinhas – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br