images/imagens/top_2-1-1024x333.jpg

arvore

Muito é dito sobre a vida ser composta por ciclos. E no fim, todos esperamos que os ciclos se sucedam, embora raramente estejamos prontos para eles. O que ninguém nos avisa é que os ciclos não mandam avisos e nem mesmo acontecem de forma datada, previsível. É mais uma coisa que ocorre de surpresa e nos encontra vivendo outros momentos. Quase nunca, portanto, há preparações e viver é uma sucessão de grandes e pequenos sustos, para o bem e para o mal.

Nascemos com a certeza de que iremos partir em algum momento, embora, até para podermos sobreviver, não temos exatamente a consciência disso, sendo algo que deixamos escondido em algum ponto de nossas mentes e almas, torcendo ou rezando, a depender das crenças pessoais, para que seja algo eternamente adiável. E mesmo sabendo que não é, buscamos viver protegidos por algumas ilusões.

Mesmo quando as pessoas fazem planos, organizam tudo, o destino é quem está com o leme e o gira para onde quer. Então em um dia qualquer, quando estamos sonolentos ou preocupados, vivendo nossas rotinas mais ordinárias, surge algo que não estava em nossos scripts. Pode ser aquele o dia em que conheceremos o amor de nossas vidas, em que receberemos a oportunidade de um novo emprego ou que até mesmo o dia em que risadas inesperadas serão a pauta. Tudo pode ser.

Constantemente leio dizeres sobre a necessidade de “sair da zona de conforto”, mas eu me pergunto se de fato, nos dias de hoje, isso existe. Acredito que tenhamos momentos de paz e lugares de conforto, mas creio que a imensa maioria das pessoas quer é encontrar essa tal zona de conforto, esse estado de coisas e se esquecer lá por alguns dias, semanas ou meses.

E é muito simples constatar o que afirmo, bastando olharmos ao redor ou para nossas próprias vidas. Todos os dias revelam lutas necessárias e nem sempre saímos vencedores dela, mas eventualmente surgem guerras que lutamos por total impossibilidade de fugir. Haja vista o que tem ocorrido com o Rio Grande do Sul, só para ficarmos em território nacional. Discussões de causalidades à parte, é muito claro que as pessoas estavam ali, vivendo suas vidas, pensando nas rotinas diárias quando tudo virou de ponta cabeça. E o pior é que talvez jamais consigam se desvirar por completo.

E assim se deu a mudança ou o fim de muitos ciclos para pessoas, animais e para a natureza. Jamais deixarei de lamentar quando inocentes, seja a que gênero pertençam, perdem suas vidas, sobretudo os que sequer tem chance de defesa. Nesta semana foi o que vi acontecer. Durante quatro anos consegui, com a ajuda de pouquíssimas pessoas, que um imenso ipê da minha rua ficasse a salvo da serra elétrica. Perdi, contudo, vergonhosamente e solitariamente, a guerra.

Os caminhões e os homens da prefeitura vieram em um dia qualquer, sem avisos, embora eu tenha certeza de que havia não apenas quem soubesse, mas que fosse responsável. Pedi para ver o laudo que a condenava à morte, porque a simples alegação de cupins, para quem viveu no meio do mato a infância toda, não me convencera. Mas é claro que, ao menos na maior parte do tempo, sou uma pessoa razoável e, havendo reais riscos às pessoas, ainda que triste, não me oporia. Não me entregaram nada e, vencida, eu a vi ser cortada, pedaço a pedaço.

O mais triste é lembrar de que no ano passado ela floresceu como nunca. O chão da rua ficou como um tapete lilás, espetáculo para quem gosta, estorno para outros. Ela nos presenteou com flores, mas recebeu de volta o ódio cego e o machado. No fim e ao cabo, cada um dá o que tem. Eu estava aqui quando escutei o tronco vir ao chão em um baque surdo do qual jamais me esquecerei e que foi como um soco no meu estômago. Tentei e perdi. Mais um ciclo que se fechou a fórceps, inclusive dentro de mim.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e sim, é também a louca das árvores – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br