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são paulo

“Em São Paulo eu não vou prestar vestibular porque não quero morar lá, naquela cidade horrorosa”. Foi o que afirmei categoricamente e com convicção há mais de trinta anos enquanto pensava nas opções de lugar para começar minha vida universitária. Eu tinha verdadeira ojeriza da capital paulista, medida pelas poucas vezes que a tinha visitado na minha infância e adolescência.

Anos depois, concluído o curso de Direito, realizado em outra cidade, acabei me mudando para São Paulo, o que se deu mais por contingências da vida do que por minha escolha. Daquela vez fiquei por dois anos rezando para que cada dia passasse para que eu pudesse ir embora.

De volta ao interior do estado e a vida seguiu seu fluxo. Nove anos depois, no entanto, uma nova inquietação se abateu sobre mim. Eu já vinha a São Paulo por motivo de estudo e trabalho ao menos uma vez por semana e nessa espécie de namoro, fui conhecendo lugares, pessoas e me deixando cativar, à revelia, pela cidade que um dia tanto me intimidava.

No ano de 2007, atendendo ao que hoje me parece um chamado, um sentimento que não sei descrever e qualificar, mudei-me para cá, sentindo ares de definitividade. Claro as coisas mudam e não sei onde irei terminar minha jornada terrena, mas naquilo que depender de mim, encontrei, por fim, há dezessete anos, a minha pátria, o lugar que me sinto em casa.

E esta cidade, de onde ora escrevo, completou 470 anos de história. Gigante, polêmica, maluca, cosmopolita, violenta, cultural, múltipla, suja, verde, cinza, rica, miserável, moderna e antiga, São Paulo é impossível de ser descrita de forma única, eis que tudo depende do referencial, de onde se fala, das experiências que aqui se vive.

Quem a vê de fora, sob os holofotes dos jornais sensacionalistas, só conhece dela a violência, a tragédia e as demais mazelas que inegavelmente a acometem. Nem estou dizendo que seja algo a se ignorar ou fingir que não existe. Muito ao contrário, a violência que decorre de outros “fenômenos” nacionais como o desemprego, a falta de políticas públicas e investimentos adequados na saúde, educação e segurança a cada dia se espalha mais por toda a cidade, por todo o país, lamentavelmente e é algo a ser enfrentado, combatido.

O que ressalto é que apesar de tudo isso, da poluição que mata a cada dia os dois rios gigantes que cortam a cidade, Pinheiros e Tietê, bem como outros menores, a maior parte já canalizada, ainda há um tanto de alegria, de vida, de cultura e de uma mistura de pessoas, etnias, credos, cores, sotaques, que a tornam única e incrível.

Antes de escrever este texto, por exemplo, enquanto usava um carro de aplicativo, diante do sotaque do motorista, puxamos conversa e descobrimos que ele veio do Marrocos.

Perguntamos o que ele fazia aqui, sem família, ao que ele nos respondeu prontamente que após uma viagem de turismo, acabara apaixonado pelo Brasil, sobretudo pela cidade.

Assim como ele, outros tantos imigrantes que por aqui chegam e que, há centenas de anos, fizeram o mesmo.

Ainda hoje, comprando legumes, verduras e frutas na feira de rua, enquanto comia um tradicional pastel paulistano, vi outra vez aquele casal de papagaios que em outro texto já mencionei. Livres, passeiam pelo bairro, alegrando a vista e o coração de que reconhece o privilégio de sabê-los capazes de coexistir com os humanos em meio a essa confusão de cinza e verde.

Parabéns, São Paulo, terra minha, onde não nasci, mas onde planto minhas raízes afetivas. Obrigada pelo tanto e mil perdões, em nome de todos, pelo mal que lhe fizeram e ainda lhe fazem todos os dias. A esperança de tempos melhores é que move quem te ama.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária, paulista de nascimento e paulistana de coração – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br