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vinho

—Mãe, isso no seu copo é cachaça?

—Que é isso menina! É groselha – respondia Madalena, enquanto segurava o copo com as duas mãos.

Parada na frente do carrinho que anunciava em letras meio apagadas o “Copão do João – a melhor batida da praia”, Madalena negava o óbvio, já com as pernas meio falhando o passo.

—Groselha. Sei. Até parece – dizia a filha Márcia, constatando a inutilidade de qualquer discussão diante do fato consumado – Vê se não demora para ir dormir e cuidado com a escada.

Madalena era zeladora no pequeno prédio quase à beira-mar. Limpava os apartamentos que eram alugados por temporada e tomava conta do lugar. Passava o dia entregando chaves, lavando e organizando tudo. Quase uma prefeita daquela cidadela vertical.

Nas noites quentes ficava na frente do prédio, copão na mão, conversando com o Cláudio, que não morava no local, mas que estava inexplicavelmente sempre por lá com uma latinha de cerveja infinita. Trocavam olhares enigmáticos e sabe-se lá mais o quê.

Depois de alguns copos de “groselha”, Madalena ficava com a voz grossa, irreconhecível. Certa vez, já tarde da noite, precisou avisar um casal de turistas de que o carro deles estava atrapalhando a saída de outro veículo. Foi atendida na porta pela mulher e, segundos depois, surgiu o marido, nervoso, querendo saber quem era o homem com quem ela conversava. Ao dar de cara com a Madalena, ficou entre desconfiado e sem graça, dando um boa noite amarelo e voltando para dentro.

Em um dia qualquer, entretanto, Madalena desapareceu. A filha, enfermeira, chegou depois de um plantão no hospital da cidade mais próxima do balneário e depois de se certificar da ausência da mãe, achou bem estranho que o celular e a bolsa dela ainda estivesse ali.

Como não era do feitio da mãe sumir sem avisar, Márcia ficou preocupada e foi procurar por ela na vizinhança, para ver se alguém tinha notícias. Passou pelo “Mercado Meninão” onde ela ia quase todas manhãs para buscar pão, mas a atendente disse que naquele dia Madalena não fora. Prestes a ir até a polícia, temendo pelo pior, a filha resolveu ir até a praia e foi lá que achou a mãe.

Deitada de costas, Madalena dormia ao lado do Cláudio, os dois estirados na areia. Passado o susto, veio a raiva e Márcia tratou de acordar os dois, ainda mais depois de ver que tanto a mãe quanto o Claudio seguravam um “Copão do João” nas mãos. Com a voz grossa, Madalena já foi falando:

—Filha do céu! Ainda bem que fui eu que tomei e não você. Essa groselha “tava”muito forte dessa vez.

O Claudio, nada constrangido, abriu os olhos e endossou o coro:

—Nem me fale! Um perigo. Vou voltar para minha cervejinha mesmo. Groselha não é pra mim.

Daquele dia em diante, prevenida, Madalena resolveu deixar a groselha e cumpriu com o prometido. No dia seguinte, ao vê-la diante do carrinho do “Copão do João”, a filha perguntou:

—De novo mãe?

—Não “fia”. Parei com isso. Só tomando limonada mesmo.

Fingindo não perceber a voz mais grossa, Márcia deu de ombros e pensou que, da próxima vez, já sabia onde procurar pela mãe.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e se inspira em fatos reais – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./ www.escriturices.com.br