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chuva

Domingo cedo resolvemos levar as cachorras para um passeio matinal. Aproveitaríamos para levar também os resíduos orgânicos acumulados durante a semana para a composteira coletiva e, no caminho ainda passaríamos no Petshop para comprar ração úmida para os gatos.

Antes de sairmos notei que o céu se fechara em nuvens e que a chuva era quase uma promessa. Aceleramos o passo, mas o ritmo acabou sendo imposto pelas cachorras que ora iam cheirando tudo, ora aceleravam como se puxadoras de bigas. Deixamos os resíduos na Praça onde ocorre a compostagem e na seguida, cortando caminho pelas árvores, entramos na loja para comprar o sachê nosso de cada dia.

Passamos pelo caixa e segundos após pagarmos, antes que pudéssemos passar pela porta de saída, os trovões anunciaram a chuva que veio forte e embalada por vigorosa ventania. Embora tenha chovido bastante ultimamente, a chuva costuma dar as caras no período da tarde e de fato não acreditávamos que elas nos surpreenderia antes das onze da manhã.

Em poucos minutos restou claro que estávamos ilhados. O consolo era estarmos abrigados enquanto víamos a avenida se transformar em rio. Lembrei-me de que, de fato, ali corre um rio, agora sepultado sob os canos e o concreto, mas não deixa de ser incrível pensar que a natureza sempre mostra quem manda.

Sem outra opção começamos a conversar com um senhor que ali também aguardava. Curiosas, as cachorras chegaram perto dele, sentindo o cheiro da cachorra que ele logo disse que também tinha. Muito simpático, era um japonês muito alto e magro, com idade que estimo em mais de setenta anos. O carro dele estava ali na frente, no estacionamento, mas ele não queria se molhar muito e, por isso, aguardava que a chuva desse uma trégua.

Durante quase meia hora assistimos pelos vidros da loja o dia virar noite e uma quase cachoeira se formar numa curva. Já estávamos pensando nas alternativas para irmos embora e não termos sequer levado o celular para chamar ajuda ou motorista de aplicativo, fazia com que sair correndo com as cachorras enroladas em um saco plástico pudesse ser uma opção.

Quando a chuva melhorou, o senhor se despediu de nós e, antes de ir, deu-nos mais uma olhada e perguntou se queríamos uma carona. Aceitei de pronto, pois era nossa salvação. E assim chegamos em casa em poucos minutos, os quatro, secos e salvos, mesmo diante do caos, pela solidariedade de um estranho.

Em tempos de criminalidade e de oportunistas, todos temos receio do outro, do mal que habita o desconhecido, mas naquele dia eu me senti como se o mundo ainda fosse um lugar menos perigoso e mais simples de se viver. Nas pequenas coisas, creio, mora a esperança.
Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e, como regra, não confia em estranhos – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br