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 justica

Certa vez uma mulher encontrou a Mentira presa em uma pequena gaiola dourada e mágica. A Verdade, sua meia-irmã, a havia deixado lá, cansada de tanto ser enganada.

A mentira, ardilosa que ela só, tratou de contar uma lorota, implorando para ser libertada. Sabia ser sedutora e usar as palavras certas. Às vezes as pessoas ouvem apenas o que querem.

—O mundo também precisa de mim, minha senhora. Por favor, ajude-me a sair. A Verdade se acha a dona do mundo e quer me prender aqui para sempre. A senhora não acha que eu mereço uma chance? Ouvi dizer que a senhora costuma sempre ouvir os dois lados, que nunca se contenta com uma única versão dos fatos. Sua fama a precede, eu bem sei.

A mulher ficou pensando por um instante e como não gostava de injustiças, resolveu que era melhor deixar a Mentira livre e cada um que acreditasse no que quisesse.

Antes, porém, da abrir a porta da gaiola, impôs para mentira uma condição:
—Você vai ter que me prometer que, livre por aí, poderá circular por onde quiser, mas que, no final, sempre chamará sua irmã, a Verdade, para esclarecer as coisas, passe o tempo que passar.

A Mentira não gostou nada daquilo, mas estava doida para sair daquela prisão. Havia tanta coisa a fazer por aí, tanta gente precisando de mentiras para ser feliz e ela lá, sem poder fazer nada. Muita Verdade no mundo não ajuda ninguém, pensava ela. Nem toda mentira é um mal.

—Tudo bem, eu aceito suas condições – respondeu a Mentira - e lhe dou a minha palavra! E para que você tenha certeza de que a cumprirei, cada vez que eu falhar com nosso trato, o meu nariz irá crescer e você poderá me aprisionar aqui novamente, pelo tempo que entender justo.

Sem desconfiar da Mentira, porque era melhor amiga da Verdade e prima da Boa-fé, a mulher aceitou o trato e deixou que a Mentira saísse por ali, livre para ganhar o mundo. Mas a mentira era tola e se esquecia, como sempre, das promessas que fazia.

Nem bem se passaram dez minutos e a mulher vislumbrou a Mentira, que conversava com a Traição e com a Cilada, a coçar desesperadamente o nariz. De primeiro nada era muito perceptível, porque começou devagar, mas horas depois a coisa toda degringolou. Um narigão se fez presente, crescendo numa velocidade ímpar. A mulher foi atrás da Mentira, porque queria esclarecimentos, mas quanto mais se aproximava, mais a Mentira se distanciava, porque podia até ter pernas curtas, mas sabia correr.

A Sabedoria, que por ali passava, tratou de encurralar a Mentira que, sem ter para onde ir, via, em pânico, a mulher que se chegava. Não podia suportar a ideia de ficar presa outra vez. A mulher, compadecida de ver a Mentira encolhida, amedrontada, resolveu ao menos estender-lhe a mão. E foi nessa hora que a Mentira, proferindo inverdades e mais inverdades, acabou furando os dois olhos da mulher com a ponta de seu nariz, que crescia descontrolado.

A Verdade, atrasada como sempre, chegou para ajudar, mas quase nada mais havia a fazer, exceto colocar um lenço ao redor dos cegos olhos da mulher que ela conhecia como Justiça.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e gosta de inventar histórias – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br