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banho

Considero-me uma tia realizada. Minhas irmãs me proporcionam a alegria de conviver com quatro sobrinhos maravilhosos, protagonistas de momentos hilários e emocionantes da minha vida. Coleciono fotos de todos os sorrisos e caretas que posso captar nos momentos em que estamos juntos. Graças a eles e a uma quase (?) obsessão que tenho pelos meus pets, já são mais de doze mil fotos no meu celular.

De idades que variam de dezesseis a três anos, experimento com eles emoções que sequer sei transpor para o papel. É claro que ninguém é perfeito e todos temos nossos defeitos, mas seleciono guardar deles apenas as boas lembranças, os abraços mais carinhosos, os risos mais frouxos e as conversas mais malucas. Muitas vezes, no meio deles, sinto-me entre iguais.

Uma das coisas mais engraçadas é que todos eles, sem exceções, tinham e no caso da mais nova, ainda tem, a vontade de tomar banho comigo. Justo eu que sou uma chata quando o assunto é banheiro e que faço questão de lá estar apenas comigo mesma. Na família todos sabem que nesse assunto tenho minhas reservas e que nunca viajo para lugar nenhum sem saber como são as instalações sanitárias do lugar. Cada doido com sua mania.

Descobri, com o tempo, entretanto, que duas categorias de seres não compreendem exatamente o conceito de privacidade, bem como não respeitam o direito de se estar só em momentos de higiene: as crianças e os animais de estimação. Cães e gatos parecem ter verdadeira fixação por acompanhar seus tutores até o banheiro, caso circulem dentro de casa. E nesses casos de nada adianta fechar a porta, porque o arranhar ou os miados tiram a concentração e a tranquilidade de qualquer um. Nesse particular, rendi-me aos meus superiores e vida que segue.

Quanto às crianças, conforme foram crescendo, entenderam que a tia aqui não aprecia exatamente compartilhar tais momentos com ninguém, mas enquanto eram pequenos, tive que dividir o chuveiro com eles por várias vezes. Bastava que eu pegasse a toalha e logo me olhavam com os olhos imensos que só as crianças têm, tornando qualquer negativa de minha parte quase como algo injusto e insensível.

Eram situações engraçadas, no entanto, cheias de musiquinhas que eu cantava para que se limpassem sozinhos, imitando meus próprios gestos, além do meu medo de que a água estivesse quente ou fria demais, que o xampu caísse nos olhos, que algo de ruim pudesse acontecer com aquelas criaturinhas que aproveitavam aqueles minutos de chuveiro em comum como se estivéssemos em um parque de diversões.

Já crescidos os três primeiros, eu havia me esquecido disso, até que recentemente, passando uns dias na casa da minha irmã, a caçulinha deles, Olívia, virou-se para mim e disse: —Vou tomar banho “c’ocê”! - Nem foi um pedido na verdade. Só me comunicou, já arrancando a roupa pelo caminho, arrastando uma toalha que tinha orelhas de urso.

Pensei em dar uma fugida, porque queria a paz da água quente correndo pelas minhas costas, em silêncio, mas me detive ao pensar quanto tempo ainda haverá para esses banhos acompanhados. Aquele toquinho de gente, tagarela, cujos cabelinhos finos ensaboei e que depois de muita cantoria e risos enrolei na toalha para juntas escolhermos uma roupa rosa, tal qual ela queria, em um piscar de olhos será uma menina, uma moça que terá outras prioridades e companhias a desejar.

Enquanto pensava sobre isso me lembrei de uma tia avó que se trancava no banheiro por horas e que me nunca me permitiu o acesso enquanto estivesse lá, mesmo diante das minhas súplicas, aos cinco anos, para entrar. Eu sentia o cheiro de perfume e talco e morria de vontade de que ela passasse um pouco em mim também, que dividisse comigo algum segredo do que estava dentro daqueles inúmeros potinhos e bolsinhas. Eu nunca soube, no entanto. Há alguns anos ela se foi, passada dos noventa. O tempo, fazendo seu papel de apagar a memória do mundo, um dia também me levará, mas talvez subsistam por mais tempo, entre outras, as lembranças de banhos repletos de inocência e afeto.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e desconfia que gatos tem predileção por cheiros estranhos – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./ www.escriturices.com.br