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borboleta

Sempre soube que dentro de mim habita uma cientista maluca. O tempo passa e essa minha outra persona não se retira e tampouco perde a curiosidade sobre todas as coisas. Embora eu goste muito do Direito, uma das minhas opções de profissão era a biologia. Criei lagartas de bicho da seda, além de besouros de várias espécies. Gostava de cavar a terra úmida para de lá retirar minhocas e todo tipo de microfauna que eu encontrasse.

Ainda sou fascinada pelo mundo em miniatura, que se move longe do alcance dos olhos e, não raras vezes, de nossas percepções e empatia. Tenho minhocário, abelhas, hotel para abelhas solitárias e, recentemente criei joaninhas. Gosto de insetos, de um modo geral, à exceção de baratas, moscas e pernilongos, o que, penso, é compreensível.

Sinto falta de alguns insetos que ilustraram memórias felizes de minha infância, como os vaga-lumes e as borboletas. Essas últimas me pareciam criaturas mágicas, tão leves quanto o vento, coloridas e delicadas. Vivendo em uma cidade grande, surpreendo-me com as muitas espécies de pássaros que frequentam minha sacada em busca da comida que ofereço a eles, mas em contrapartida eu me pergunto por onde andam as borboletas.

Há alguns dias, enquanto inspecionava meu limoeiro, um pequeno pé plantado num vaso, notei que em uma das folhas estavam várias pequenas lagartas, todas estranhamente juntas, como se estivessem grudadas umas das outras. Meu primeiro reflexo foi arrancar a tal folha, porque eu não poderia deixá-las lá ou meu limoeiro não seria capaz de sobreviver.

Enquanto pensava no que fazer com as lagartas, ocorreu-me que elas morreriam de fome sem o alimento apropriado e que, muito provável, eram promessas de borboletas. Sem coragem de deixá-las à própria sorte, coloquei as bichinhas, quinze delas para ser mais precisa, em um pote transparente, com tampa, a qual furei bastante para entrada de ar, com algumas folhas do meu limoeiro.

Após pesquisar descobri que são conhecidas no Brasil, enquanto lagartas, como Bicho-de-rumo, eis que ficam todas unidas, no mesmo rumo, quando estão dormindo. No berçário improvisado, dormem assim durante o dia, todas juntas, viradas para mesma direção. Ao se transformarem, as borboletas neotropicais, da família Papilionidae, são chamadas de Rosa-de-luto, devido a sua cor preta com uma mancha vermelha em cada asa, na parte posterior.

Nesse ponto minha pesquisa encontrou também variantes de preto com amarelo, mas as duas me lembraram as borboletas das quais eu me enamorava quando era criança. Nos meus costumeiros devaneios, gostava de imaginar que uma versão minha, minúscula, sobrevoava o mundo, que na época era do tamanho do quintal da nossa casa, nas costas de uma borboleta assim.

Agora, todos os dias, eu alimento as lagartas, que já mudaram de forma e tamanho, deixando de serem lisas, parecidas com cocô de passarinho (sim, você leu certo), para se tornarem mais texturizadas. Li que se alimentam de folhas de cítricos e tratei de surrupiar folhas de uma laranjeira que há no quarteirão. Pedi autorização para o pessoal da padaria que fica em frente, mas aleguei que era para fazer chá, porque não sei se entenderiam meus verdadeiros propósitos.

Espero que as borboletas venham, porque anseio pelo reencontro e porque há muito de libertador e poético em presenciar a liberdade criando asas e no poder das metamorfoses que a vida proporciona ou exige de tudo que vive, inclusive de nós.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e é mesmo um pouco maluca, mas inofensiva – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br