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papel

–Você me desculpe! Eu nem costumo usar o banheiro fora de casa, a não ser para um xixi rápido. Fico morrendo de vergonha, porque sei que a coisa está feia, mas acho que foi mesmo o acarajé que comi ontem à noite.

–Ah, sem problemas. Entendo perfeitamente. Eu mesmo só corri aqui porque achei que a essa hora os banheiros desse andar ficavam vazios, porque não vi ninguém por aqui perto. Saí apressado de casa e nem tive tempo de gastar minha meia hora regulamentar no banheiro.

­­ –Realmente, essa hora aqui fica tudo vazio mesmo. É um dos banheiros mais limpos da empresa. Esse andar está em reforma há quase um mês e todos se esquecem desse lugar. Ai, que dor de barriga, cara.

–Eu também!! Mas a minha é de nervoso. Tenho uma entrevista hoje, aqui nessa empresa. Uma amiga, que trabalha no setor de cópias, soube da vaga e me indicou para o chefão. Disse que ele é um cara legal, mas que não pega leve com ninguém.

Entre contrações pélvicas e o cuidado para evitar sons constrangedores, Leonel se lembrou que tinha agendado duas entrevistas para aquela tarde. Ainda bem que, aparentemente, ele era considerado um cara legal.

Ele tinha que sair dali o mais rápido possível ou o pobre rapaz não teria a menor de conseguir o emprego. Ficaria envergonhado demais. Há limites que, transpostos, não se reestabelecem.

Fazer cocô lado a lado com o futuro patrão já era intimidade demais. Leonel sabia bem o que era começar debaixo. Ele próprio fora faxineiro e já tinha visto banheiros demais na vida.

De repente o cheiro ficou insuportável. Leonel já ai se limpar, imaginando um meio de sair dali sem ser visto, quando foi ouviu o rapaz da cabine ao lado, quase num sussurro:

–Cara, foi mal. Acho que saiu um bicho morto de dentro de mim. Tenho os nervos fracos sabe? Passo mal cada vez que tenho alguma coisa importante para fazer. Você trabalha aqui também?

E ah, pode me passar um pouco de papel? Acabei de ver que não tem aqui. Faltam 5 minutos para minha entrevista. Preciso sair daqui voando.

– Trabalho sim e na verdade... Opa, não tem papel aqui também!

Em desespero Leonel avaliou suas opções e considerando que tinha uma reunião com o pessoal do RH e os novos candidatos em 5 minutos, teve uma ideia assim que enxergou, pelo vão do banheiro, os pés do rapaz.

–Tenho uma ideia! Qual o seu nome?
...
Minutos depois, Leonel apresentava para Juliana, do RH, o novo contratado da empresa, João. Estava dispensado de entrevista e tinha excelentes referências.

Juliana, por sua vez, sabendo da fama do chefe de ser rigoroso nas contratações, nem mesmo questionou a decisão, embora tenha achado bem esquisito aquele rapaz que usava sapatos sociais sem meias.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e sempre confere, de antemão, se há papel higiênico disponível – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br