images/imagens/top_2-1-1024x333.jpg

CREATOR: gd-jpeg v1.0 (using IJG JPEG v62), quality = 100

Dando sequência aos textos sobre ditados populares, escrevo hoje, por sugestão de um leitor da cidade de Bauru, sobre a expressão popular “Comigo não, violão”. No corpo do e-mail veio também um arquivo com uma música antiga, cantada por Francisco Alves, que leva o mesmo nome. A música me é vagamente familiar e talvez eu a tenha escutado quando criança, mas mesmo sem conhecer o sentido exato ou a origem da expressão, já a utilizei muitas vezes no contexto de muitas frases.

Nesse caso, creio, o significado é claro, ao menos para aqueles que já passaram dos quarenta. De acordo com dicionário informal, é frase utilizada como recusa para alguma atividade ou algo impossível. Quase como o atual (ou nem tanto?) “tô fora”. Muito provavelmente, no entanto, os mais jovens sejam incapazes de identificar o sentido dessa frase. Enquanto alguns ditos populares parecem eternizados pelo contínuo uso, outros vão desaparecendo quando perdem o contexto inicial ou, na melhor das hipóteses, perdem o sentido original.

Conforme minhas pesquisas rápidas no atual “pai dos burros” – outra expressão que muitos não devem conhecer mais - o Google, descobri que o dito popular que dá título a esse texto foi criado na primeira metade do século XX pela boemia carioca. Referia-se às mulheres cujos corpos repletos de curvas lembravam a forma de um violão. Assim, sempre que a mulher agia de forma a contrariar os costumes machistas da época, ou tratasse algum homem de forma mais ríspida ou jocosa, eles diziam, de forma desabonadora e em recusa: “comigo não, violão”.

Com o tempo, independentemente de para quem a recusa a algo indesejado se voltasse, a resposta era a mesma, tivesse ou não a criatura um corpo em formato de violão. Era um jeito de enfatizar uma recusa, algo que não se faria ou se admitiria fazer. Suponho que seria um sinônimo de “nem morrendo”, “nem vem que não tem”, “nem a pau, Juvenal”, “nem sonhando”, “espere sentado” ou outras tantas expressões igualmente populares.

O fato é que a gente deveria ser mais capaz de recusar aquilo que não nos faz bem, pouco importando a forma como isso pode ser dito. Recentemente tenho vivido estressada por conta de um trabalho que deveria ter recusado e gritado um “Comigo não, violão, bandolim, cavaquinho, guitarra e tudo mais”. Infelizmente, à época, não tive o alcance das ideias, a sabedoria ou a intuição de dizer não e hoje venho amargando as consequências dessa decisão que tomei sem pensar direito.

Nos últimos tempos, sobretudo nessa situação tão doida na qual o vírus maldito nos meteu, ficou, ao menos para mim, muito mais clara a fragilidade dos nossos dias. O quanto o que chamamos de vida, de normalidade, pode ser afetado e alterado drasticamente. O equilíbrio entre aquilo que queremos, aquilo que gostamos e aquilo que precisamos fazer é algo muito difícil de atingir, mas é fundamental de ser buscado.

A vida é um sopro e, por mais que essa frase seja um lugar comum, um jargão, reflete a verdade que não podemos ignorar. É preciso ter em mente que os melhores momentos são apenas isso, momentos e que nem todo dinheiro ou trabalho do mundo vale a troca pela nossa saúde, nossa família, nossa paz. Para o futuro, estou decidida sobre colar em letras garrafais na porta de casa, “COMIGO NÃO, VIOLÃO”, pois a vida é curta demais para perder tempo com o que não me faz feliz.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e quer que as aves de mau agouro vão cantar em outra freguesia – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./ www.escriturices.com.br