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melao de sao caetano

Nem me lembro do nome daquela vagem de feijão verde que nascia nas cercas de uma das casas da minha primeira infância, mas ainda sou capaz, tantas décadas depois, de sentir o gosto que tinham as sementes. Eu as colhia, abria e comia os feijões, tudo praticamente ao mesmo tempo. Nunca mais planta semelhante, mas é curioso como nossas memórias afetivas escolhem o que seguirá conosco e o que se perderá nas curvas das lembranças.

Ainda na infância era comum comermos o fruto amarelo ouro, quase alaranjado, do que chamávamos naquele tempo de Melão Caetano. A planta era uma trepadeira que crescia espontaneamente por vários locais e era confundida como mato. As flores amarelas estavam sempre rodeadas pelas abelhas e os frutinhos, de casca rugosa que se abria em partes iguais, eram “recheados” de sementes vermelhas, as quais comíamos sem nem pensar.

Naquela época era comum comermos o que nos diziam ser comestível, fosse um adulto ou um colega de cinco anos de idade. Por sorte nunca foi algo venenoso, e ainda que hoje eu pensaria mil vezes antes de fazer a mesma coisa, já pensando nas alergias e intoxicações possíveis, ainda me encanta pensar em o quanto a natureza é gigante e o quanto da sabedoria popular se perdeu.

E por falar em perdeu e memória, essa semana constatei realmente que nosso cérebro escolhe do que se lembrar, por mais que seus critérios de escolhas me pareçam algumas vezes sem sentido. Depois que meu rosto começou a ficar vermelho nas bochechas, descartadas obviamente as causas típicas da adolescência, foi à procura de uma dermatologista que atendesse pelo meu plano de saúde.

Pesquisando no site da operadora eu encontrei, feliz da vida, que havia uma clínica dermatológica perto de minha casa e cujas referências pareciam boas. Liguei, certifiquei-me de que os médicos de fato atendiam pelo meu plano e marquei consulta. No dia e horário marcado cheguei ao local e na recepção me perguntaram se eu já era paciente ao que naturalmente respondi que não era. Entretanto, eu estava equivocada.

“Faz tempo que a senhora não vem aqui?”, perguntou-me outra das três secretarias no balcão. “Eu nunca vi”, reafirmei, irritada. “Pois temos o cadastro da senhora aqui”. “Impossível, repliquei. “A senhora esteve aqui em 2010. Quer ver sua foto do cadastro?”. Era óbvio que eu não só queria como, àquela altura, precisava. E lá estava eu, quatorze anos mais jovem e menos gagá.

Depois de alguns minutos de constrangimento, o que disfarcei com risadinhas, eu me lembrei. Estive lá para tratar de uma unha que vivia quebrando. Como se estivessem trancadas em alguma gaveta de coisas esquecíveis, senti a memória reacender e me lembrei até do rosto da médica. No fim, restou achar o episódio engraçado, mas se acontecer de eu voltar lá mais uma vez na vida sem me lembrar de que já estive, receio sair da dermatologista com indicação para um neurologista.

É doido como pude me esquecer, mas aconteceu. Por sorte, em termos dermatológicos nada muito sério. Uma rosácea leve, com a qual terei que aprender a conviver para tratar e minimizar. Saí de lá pensando em que mecanismo curioso seleciona o que lembramos, como o gosto de pequenos frutos selvagens em detrimento de lugares e pessoas. De ora em diante, porém, por precaução, ao ser inquirida sobre minha possível presença anterior, pedirei antes que consultem os cadastros para ver se não há alguma homônima qualquer.

Em tempo, pesquisando no google encontrei o tal Melão Caetano que, ao que parece, é conhecido como Melão de São Caetano.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e, ao que parece, esquece de dermatologistas – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com