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livros

Inspirada por iniciativas semelhantes, minha mãe resolveu arrecadar livros, novos e usados, para distribuí-los como meio de incentivar a leitura. Improvisou uma caixa de papelão e a pendurou no Ipê branco que fica em frente ao portão da casa onde vive com meu pai há quase quarenta anos e onde eu também vivi durante a infância e adolescência.

Mas para garantir que as pessoas soubessem do que se tratava, não se limitou aos dizeres que escreveu na caixa, dando conta de que os livros poderiam ser levados gratuitamente. Ficou lá durante vários momentos do dia, principalmente nos horários de saída das escolas que ficam muito próximas, oferecendo livros de acordo com os gostos, na medida do possível.

Muito se fala que as pessoas quase não leem, o que é de certa forma verdadeiro. Penso, porém, sem qualquer base científica, que não se trate apenas de uma falta de interesse, mas também de recursos. Se compararmos o preço dos livros com o preço de outros produtos, os valores, embora pouco acessíveis para as classes mais humildes, nem são, na média, tão caros, mas o achatamento dos salários da população acaba tornando os livros mercadorias de luxo.

O preço dos livros físicos é diretamente impactado pelo preço do papel, além dos custos operacionais das editoras. No fim das contas o autor fica com módicos 10% sobre o valor de capa. Por isso também muitos autores têm investido em produções independentes ou na publicação de livros nas plataformas digitais como a gigante Amazon, por exemplo. Em média os livros independentes lá publicados têm valores mais acessíveis, mas por outro lado não chegam até os excluídos digitais.

O que minha mãe constatou na prática é que as pessoas se interessam por livros e seus universos e muitas vezes somente precisam de um incentivo, de uma ponte que permita mais livros chegarem a mais leitores. Emocionada com o retorno das pessoas, com as mensagens carinhosas de estudantes, em menos de um mês ela distribuiu várias dezenas de livros aos passantes, colecionando relatos repletos de emoções, pequenas confissões e até alguns desabafos. Eufórica, tomou como missão encontrar um dono para cada livro que recebeu de amigos e comemorou cada sorriso recebido.

Esgotados os livros disponíveis, vai encerrar as abordagens e guardar a caixinha. Ainda aceitará livros, mas os direcionará para escolas e para outras pessoas que queiram se aventurar na mesma empreitada. Se a conheço bem, logo encontrará outro desafio, porque é daquelas que não param quietas, no movimento das almas que não envelhecem.

Olho para os meus muitos livros, os únicos tesouros que acumulei em décadas neste mundo. Sei que um dia estarão em outras mãos, mas ainda não estou pronta para vê-los partir para sempre, embora nunca me recuse a emprestá-los. Portas para outros mundos, para outras vidas, os livros podem mudar destinos. O meu, ao menos, eles transformam em cada página virada.

Espero que os livros distribuídos pela minha mãe floresçam nas mentes e corações alheios, que inspirem e se multipliquem. Ainda que os livros sejam caros e que haja descrença sobre os futuros leitores, sempre há esperança e alternativas para quem não cruza os braços, para quem entende que o pouco que se faz também é muito.

Que outros tantos lindos exemplos em prol da cultura possam encontrar espaço para tornar nosso país menos ignorante, onde os livros não sejam para poucos, onde todos possam ter passe livre também nas viagens literárias. Que assim seja.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e é apaixonada pela dona de uma caixinha com livros pendurada em um ipê – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br