Estou certa de que ninguém aguenta mais ler ou ouvir notícias ruins e tristes. De várias formas, de modos diferentes, estamos todos doentes, mental ou fisicamente. Adoecemos como sociedade e como indivíduos. A pandemia causada pelo coronavírus não é a única culpada dessa calamidade que vivenciamos, mas piorou muitas coisas e revelou outras tantas.
Ao menos aqui no Brasil, estamos prestes a completar um ano desde que nossas vidas mudaram, desde que convivemos com a ameaça constante da doença e das ausências precoces.
Acredito que não haja mais ninguém que não tenha perdido um familiar, um amigo ou ao menos um conhecido. Quem não se deu conta de que experimentamos tempos de guerra é porque não contabilizou as baixas sofridas.
O medo no presente e a insegurança no futuro vem agravando doenças do corpo e da alma. Nunca antes tinha sabido de tantas mortes em tão curtos espaços de tempo. Nessa altura das coisas, nem sabemos mais o que é ou não atribuível ao vírus. No fim das coisas, as lágrimas têm o mesmo gosto salgado e a tristeza habita os mesmos espaços. A dor das perdas não se gradua conforme uma tabela de males.
Dias atrás o Padre Arlindo, lá de Lins, no noroeste paulista, despediu-se desse mundo. Um AVC o levou. Em janeiro de 2020 ele fora nosso cúmplice, meu e das minhas irmãs, na realização de uma cerimônia surpresa para comemoração das Bodas de Ouro dos meus pais. Esteve conosco durante toda a festinha que organizamos, proferindo belíssimas palavras em uma benção, rindo e nos fazendo rir. Foi uma presença marcante que se estendeu, meses depois, já durante a pandemia, para o batizado da Olívia, minha sobrinha. Sempre gentil, sorridente, falava com a lucidez e a simplicidade de quem sabe que Deus precisa de poucas e singelas palavras para se fazer presente.
Poucos dias depois e mais uma notícia, dessa vez de um amigo da família, provavelmente vitimado pela COVID-19. E o meio de tudo isso, sem que a gente consiga firmar os pés em algum lugar seguro, a vida prossegue com suas outras exigências, pois é preciso comer, alimentar, pagar, lutar. Não há trégua para quem vive.
Hoje, dia em que escrevo esse texto, faço-o com a tristeza profunda por uma amiga que partiu cedo demais, após ter perdido a batalha contra um câncer agressivo. E eis que tudo fica parecendo uma brincadeira de mau gosto, um filme idiota que não podemos desligar antes do fim. Além de linda, era gentil, educada, inteligente, bondosa, batalhadora e mãe amorosa de uma filha pequena. Acho que foi a primeira vez em que chorei desde que a pandemia começou, pensando em como tudo isso nos privou da convivência que agora é impossível.
Vasculhando meu celular encontrei mensagens que troquei, nos últimos anos, com o Padre e com minha amiga. Agora são só registros de memórias, um pedacinho daqueles que se foram, um memorial digital e reservado. Meu celular já possui outros espaços vazios, palavras e sons que me recuso a apagar, como se fossem excesso de arquivos e não lembranças preciosas.
Não sei quem de nós vai restar ao final e nem se sequer haverá um final. Gostando ou não, nossa vida mudou irremediavelmente. O desafio agora é sobreviver, buscando a felicidade em todos aqueles que continuam ao nosso lado, dividindo conosco essa provação, quiçá evolutiva.
Há espaços vazios por todos os lados, para onde quer que se olhe, até mesmo dentro de nós mesmos. Que o Criador se compadeça de nós...