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Há alguns meses, convidada por uma amiga, eu me inscrevi em um workshop de focaccia. Nos últimos anos tenho feito alguns cursos de pães, a maior parte com fermentação natural e em um deles cheguei a fazer uma focaccia, uma espécie de pizza com massa grossa, que usualmente tem recheio de tomate cereja com alecrim e sal grosso ou de calabresa.

Nunca tinha tentado fazer uma sozinha, em casa, mas até por isso resolvi fazer o curso, que começou às 9 e acabou às 16h. O professor era o Alex, da Padoca do Alex (@padocadoalex, no instagram), do Rio de Janeiro. Carioca bem-humorado e muito paciente para ensinar as quatorze mulheres e os três homens presentes, o Alex é uma simpatia. Embora eu tenha ficado meio cansada após tantas horas em pé, valeu muito a pena.

Era emocionante ver as imensas bolhas que a massa da focaccia faz enquanto está terminando seu processo de fermentação. Parece uma superfície lunar, só que muito gostosa e crocante. No final do dia estávamos instruídas sobre os macetes para uma focaccia “bolhosa” e de certo com alguns quilos a mais depois de degustarmos vários pães artesanais e variadas focaccias.

Diante de várias mesas repletas de guloseimas fiquei pensando em como ali todos éramos afortunados por termos tanto alimento à disposição. Alguns dias antes, no entanto, eu havia presenciado situações muito distintas. Não posso e nem quero expor aqui as pessoas envolvidas, mas fiquei muito triste por ver amigos em situação financeira bem ruim. Em um dos casos, o mais extremo, faltava até pão na mesa na qual cinco crianças deveriam comer.

Cortou-me o coração imaginar armários e pratos vazios. Ajudei como pude, mas a fome se renova a cada dia e sei que, infelizmente, foi somente um paliativo, uma ajuda emergencial. Ninguém deveria passar por isso, principalmente crianças. Por óbvio e infelizmente há milhões de pessoas passando fome pelo mundo, mas a coisa toda é mais real quando envolve alguém que conhecemos, quando a miséria ganha nome, sobrenome e um rosto.

Em outro caso uma amiga de longa data me confidenciou todos os cortes de despesas que precisou fazer para poder sustentar com o mínimo de dignidade os três filhos. Como o desemprego do marido tudo fica ainda pior. Eles lutam como podem, mas tudo é racionado para poder durar mais. Difícil não se deixar perturbar, não questionar, não se revoltar.

Algumas semanas antes e cortavam a luz da casa de outro casal de amigos. Repletos de dívidas, sofrem também com a ausência de oportunidades para se recuperarem. Moram em um bom bairro e quem os vê não tem sequer ideia de quanto estão em situação difícil. Bem verdade que ninguém quer se expor e entendo isso perfeitamente, mas nesses três casos eu poderia ter ajudado mais ou mais cedo se soubesse o que se passava.

Enquanto alguns se fartam de pão, outros sequer tem o farelo. Ao nosso redor há um tanto de gente que sofre calada, padecendo dos mais diversos males. Esse ano de 2019 foi um ano difícil para mim, em termos profissionais. Foram muitas mudanças, mas jamais passei qualquer necessidade, muito pelo contrário.

Hoje entendo o conceito de desigualdade e muito me entristece saber que ainda há casos mais severos, de gente que mora na rua enquanto outros são donos de imensos latifúndios ou de bairros inteiros. Em um mundo justo nem todos desejariam fazer um curso de focaccia, mas a ninguém faltaria o pão nosso de cada dia. Cheiro de pão sempre me invocou lembranças especiais, porém agora me parecem mais como o aroma da esperança. b

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e não aceita que a alguns falte alimento a ser posto à mesa – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.