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Ainda ontem eu tinha quatro avós. Idosos eram eles e a distância etária entre nós parecia superar algumas vidas. Era como se tudo fosse eternamente distante. O tempo já os levou para sua morada eterna e hoje, ainda que isso me pareça muito estranho, eu mesma poderia ser avó, ao menos em termos de cronologia e possibilidades.

Acredito que já escrevi dezenas de textos sobre o tempo. Tenho certa fixação nele e isso só aumenta conforme avanço nos meus dias. Penso que seria maravilhoso se eu pudesse ter me congelado fisicamente nos meus 37 anos, mas minha mente e coração estão bem melhores hoje, mais sossegados, mais experientes.

Assim, como as coisas não funcionam como gostaríamos, como o Grande Arquiteto do Universo planejou tudo de outro modo, resta-me aceitar que, exceto se morrermos jovens, inevitavelmente ficaremos envelhecidos. Aceitar a ação do tempo é algo complexo, mas honestamente, o que mais me causa pavor é do tempo que envelhece as almas, criando criaturas rabugentas e intransigentes.

Quando eu tinha uns 8 anos fiz uma promessa a mim mesma. O meu eu do futuro não deveria jamais se esquecer de que um dia fora uma criança. Lembro-me exatamente desse dia e de como fiz esse juramento que tenho tentado cumprir à risca. Assim, mais recentemente tenho pensado em fazer uma nova promessa, agora ao meu eu idoso, à pessoa que devo me tornar em cerca de 20 anos.

Acredito que há riscos em fazer-me uma promessa verbal, pois há um risco de que eu possa me esquecer disso nesse novo futuro. Então, decidi-me por uma carta, já que é provável que papel ainda exista até lá. Tomara apenas que eu seja capaz de encontra-la a fim de cumprir com ela o meu atual propósito.

Vou ser muito franca: não suporto velho chato, ranzinza e farei de tudo que estiver ao meu alcance para evitar me transformar em uma velha daquelas cheias de manias autoritárias, de verdades absolutas e daquele papo de que “no meu tempo é que era bom”. Não que chatice tenha idade para ocorrer, muito ao contrário, mas há certos comportamentos dos quais alguns idosos se apropriam e com isso passam a ver velhos, o que, ao meu sentir é muito diferente de estar envelhecido.

Envelhecer faz parte da ordem natural das coisas, eis que a matéria não é eterna. As pessoas podem ou não gostar disso, podem fazer mil plásticas, mas nada renova o viço da juventude. Ficar velho, entretanto, já permite escolhas sobre os caminhos a seguir. Não posso e nem quero mudar os outros, mas posso almejar ser uma idosa melhor.

Ficar velho é, entre outras coisas, achar que árvores fazem sujeira, que atraem bichos, que as flores, folhas e frutos sujam a calçada. É não gostar de risadas alheias, sobretudo aquelas mais animadas das crianças. É afirmar que tudo que é novo é pior, ofende, agride ou é o fim do mundo.

Quero envelhecer sabendo apreciar a sombra de uma árvore, apaixonada pelas flores e pelos animais que até ela se chegarem. Desejo poder rir com as crianças, mesmo que eu não escute direito ou não tenha todos os dentes na boca. Quero rir de mim, apesar de todos os pesares. Quero me despedir com dignidade desse mundo, saudosa de todos os dias que me foram dados, sem me esquecer de que, lá no fundo, continuarei sendo a criança que começou tudo isso.

Cinthya Nunes é jornalista, cronista, advogada, professora universitária e na maior parte do tempo ri de si mesma – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.