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2020

Embora seja bem clichê, todos os anos, nesses quase vinte escrevendo crônicas semanais, produzo um texto como fechamento do ciclo que se fechou. Nesses derradeiros dias de 2020 preciso admitir que não sei nem ao certo sobre o que escrever. Esse ano calou, literalmente, a voz de muitas pessoas, inclusive.

Sei que não tenho nada de inédito a dizer sobre 2020, primeiro porque já dediquei a ele alguns textos, talvez na tentativa de entendê-lo ou mesmo de desabafar e, segundo, porque muita gente, sem dúvida, tem escrito sobre isso muito melhor do que eu. Ainda assim, no entanto, cairei na tentação de dedicar ao tema mais algumas linhas.

Fato que todos anos trazem nascimentos e levam vidas e isso é inevitável, mas por mais que se diga que as pessoas morram por todo tipo de causas, muito antes do maldito corona vírus, considero triste demais termos uma causa nova, mais um fator que, agregado a toda gama de infortúnios, seja capaz de matar. Assim, por conta da Covid-19, tantos se despediram desse mundo, deixando desolados aqueles que ficam. Para mim, insisto, não consola pensar que há outras razões para morrer além do vírus.

Dedico, desse modo, esse texto a todos aqueles que perderam a luta nessa pandemia, ceifados por inimigo invisível, mas que talvez pudesse ter sido amenizado se todos tivéssemos tomado as devidas precauções, se os interesses políticos não estivessem nos colocando em meio a uma roleta russa. No fim, agora, tudo parece mais uma questão de sorte ou de destino, como preferirem.

As vacinas vêm chegando, como uma luz ao término de um túnel que não sabemos a extensão, tampouco o quanto nos custará percorrer. Polêmicas à parte, é a melhor aposta que temos para 2021. Vacinados, talvez seja possível retomarmos um pouco do que até ontem conhecíamos como vida normal. A esperança de dias melhores é que nos impele para o ano vindouro, embora muitas vezes as esperanças sejam tal como folhas ao vento, sempre fora de nosso controle.

No começo da pandemia, e até escrevi sobre isso, acreditava que o mundo poderia tirar alguma lição disso tudo, mas nem nisso creio mais. O que vejo é que ninguém muda, ou quase ninguém. Certo que há quem tenha redirecionado lemes, ressignificado propósitos e se adaptado às possibilidades de uma realidade diferente, mas como humanidade, como coletivo, não vejo grandes alterações, ao menos não as positivas.

Andando aqui pelo bairro, com a respiração tolhida pela horrorosa, porém indispensável máscara, noto que o lixo continua a lotar as calçadas, os bueiros, que ainda se quebram galhos de árvores pelo simples fato de que é possível fazê-lo, bem como ainda temos (e teremos ainda mais, infelizmente) uma quantidade lamentável de moradores de rua, pessoas que sequer parecem existir para a imensa maioria dos demais.

Nem somente de coisas ruins, por outro lado, foi feito 2020, mas somente os pode contabilizar, dando a cada um deles o seu valor, é quem os viveu. Não há nenhum demérito em ser feliz em meio ao caos e, da forma como vejo, mais do que nunca, cada sorriso deve ser comemorado, ainda que nasça em meio a lágrimas.

Se ainda estamos aqui, se nos foi dado viver 2020, sigamos nossa sina, na certeza de que a tantos outros não foi conferida mesma dádiva. A mudança de um único dígito não terá o condão de nos isentar de mais dor, tampouco de nos livrar de todo mal, mas que saibamos ver em cada novo dia uma nova chance de cumprirmos nosso papel. Não vamos mudar o mundo, tampouco o vírus o fez, mas se mudarmos a nós mesmos, talvez a esperança se achegue mais da humanidade.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada e guarda suas esperanças escondidas atrás das letras dos textos que escreve – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.