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gigi

Se tem uma coisa que aprendi sendo tutora de animais há algumas décadas, é que os danadinhos parecem escolher sempre um entre dois momentos para ficarem doentes. Acredito que com as crianças se passe o mesmo. Basta que os pais/tutores tenham recebido algum dinheiro extra ou então que estejam em um momento financeiramente mais sensível e voilà: hora de correr ao médico ou ao veterinário.

E foi assim que, há algumas semanas eu tive que correr, em plena madrugada, até o hospital veterinário mais próximo, segurando nos braços minha cachorrinha que, em um repente começara a ter convulsões. Também como acontece normalmente com as crianças, os animais parecem ter problemas de saúde aos finais de semana, feriados e, principalmente, de madrugada.

Quando os episódios de convulsões se intensificaram resolvi que não dava mais para aguardar o dia amanhecer e fui até um atendimento 24h. Assim que chegamos, como se tratava de urgência, ela foi atendida de pronto e, após ser estabilizada, ficou internada, o que quase aconteceu comigo também após ver o tamanho da dívida. Duas horas depois e eu estava novamente em casa, quebrada em todos os sentidos.

Enquanto estava na clínica, aguardando que minha cachorrinha recebesse a medicação, acompanhei o veterinário plantonista até o local onde ela ficaria em observação. Foi quando notei os demais pacientes que lá se recuperaram. Havia um gato tomando soro, com uma cara de poucos amigos e, ao lado, em outra baia, um porquinho da índia que, aparentando tédio, estava com o focinho colado na grade, espiando a todos.

Essa clínica, em especial, além de atendimento de emergência, é uma das poucas que conheço que atende animais silvestres. Alguns anos atrás eu levara para lá ser atendido, um filhote de periquito australiano que nascera aqui em casa. Depois de dois dias de internação, alimentação parental e oxigênio, ele morreu. Sinto por ele mas não me arrependo, pois fiz o que estava ao meu alcance e a natureza fez a vontade dela.

Alguns dias depois e a cachorrinha apresentou problemas estomacais por conta da medicação forte. Foi quando me vi dentro do carro com o marido da vizinha, indo às pressas até a farmácia mais próxima, quase à meia noite. O bizarro é que ele, escocês, não fala uma única palavra em português e eu, nervosa que estava, temia pela precariedade do meu inglês. Abençoada por São Francisco de Assis, soltei o verbo e consegui conversar com ele o caminho todo, inclusive sobre o trajeto.

Por fim a cachorra melhorou, mas ainda foram necessários muitos exames e mais duas visitas ao veterinário, para retorno. Em uma dessas consultas, tive que aguardar que a equipe de veterinários finalizasse os atendimentos de emergência e na sala de espera notei um rapaz bem nervoso, preocupado com o estado de saúde de seus pets, Mickey e Mouse. A atendente informou que os animais estavam bem e que iria trazê-los em instantes. Ainda que os nomes fossem sérios indicativos da espécie, eu não estava esperando os dois ratos, recebidos pelo tutor com um suspiro em vê-los bem.

Fiquei pensando que trabalhar em um lugar assim não deve ser nada monótono, com pacientes tão variados. Por outro lado, estou certa de que um hospital, seja veterinário ou humano, não é o lugar mais feliz do mundo, já que nem todos os pacientes se recuperam, assim como meu periquito. Só quem tem afeto pelos animais é capaz de entender que a dor de vê-los doentes não é menor do que acompanhar um parente querido que adoece.

Naquela que espero ter sido a última dos retornos, já que minha cachorrinha recebeu alta, vi uma mulher que em uma caixa de sapatos abrigava um filhote de bem-te-vi. O pássaro, nas últimas chuvas fortes, caíra do ninho. Compadecida, a mulher o resgatou e agora buscava atendimento médico antes de poder devolvê-lo à natureza. Senti a esperança nas pessoas procurando um espaço para se instalar de novo no meu coração ao ver que ainda há quem se importe de modo voluntário e desinteressado. Talvez, só talvez, haja redenção.

Feliz Natal a todos, mesmo em tempos não tão felizes.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada e gostaria que o Papai Noel lhe desse as renas de presente, junto com o fim da pandemia – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.