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Espero que estejam todos bem nesse momento e, principalmente, nos próximos. Aqui estamos bem também. Se ficar em casa é o certo ou o errado, sinceramente não sei. Não tenho conhecimento científico ou político o suficiente para emitir uma opinião embasada, que possa ser útil para alguém. Por ora, tão somente, posso dizer que estamos em casa, já que é possível trabalhar parcialmente desse modo. Então, sem considerações de outras ordens, escreverei apenas sobre o que é viver dentro de casa o tempo todo.

Nós, humanos, somos de fato bem adaptáveis. Em pouco tempo vamos criando novas rotinas, tratando de viver de acordo com a realidade que os dias impõe. Lógico que estou me referindo, em regra, a condições razoáveis de existência, mas ainda assim, a história da humanidade comprova que, mesmo diante do caos e da necessidade absoluta, os seres humanos se reinventaram e seguem se reinventando.

Particularmente, tirando o fato de que há um medo subjacente, indefinido até, rondando nossos pensamentos, por várias vezes tenho comparado esse novo modus vivendi com a vida de mulheres do início do século passado e do retrasado. O dia inteiro é permeado pelo preparo de refeições. Como gosto de fazer pães e bolos, sigo ainda experimentando receitas que passo a dividir com vizinhos, tão logo saem do forno, perfumados.

Bem menos bucólica é a tarefa de colocar e tirar roupas da máquina de lavar e da secar. Nessas horas sou grata por não ter que me ajoelhar à beira de um rio para fazer isso ou mesmo ficar no tanque esfregando os tecidos com as mãos e sabão. Acho que nunca varri e passei tanto pano na casa como nos últimos vinte dias. E o mais incrível é que depois de fazer tudo isso, olho e só vejo sujeira. Se não me controlar, fico nesse círculo vicioso, prisioneira de algo que nunca cessa, não com dois humanos, cinco gatos e duas cachorras circulando.

Vou até meu pequeno jardim, composto de muitos vasos e algumas pequenas frutíferas e já decorei cada folha ou flor nova. Coloco água, remexo a terra e penso que seria interessante, pensando em um futuro incerto, construir uma pequena horta vertical. Uma vez eu quis resgatar uma galinha que estava na rua aqui em São Paulo e só não o fiz porque já estava noite, era longe, porque talvez o mendigo dono dela não achasse legal e porque tiraram sarro de mim. Penso que, agora, ia ser legal ter uma fonte de ovos, criada com amor e carinho.

Separo um horário para leituras, para trabalhar um pouco e para o crochê. Ainda que esse último tenha voltado à moda, sendo tendência entre jovens e nem tanto, é inevitável me sentir uma típica senhora do lar, prendada e reclusa. Sair, por outro lado, é praticamente uma aventura. Guerreira, pinto meu rosto com as tintas da coragem e, munida de álcool gel, saio para selva, caçando o alimento da família. Leoa, luto com vírus invisíveis e retorno para casa carregando minhas presas, as quais terei que lavar, desinfetar e guardar.

O fato é que, como li na internet, nunca imaginei que em 2020 eu estaria dando banho em saco de arroz e afins. A vida surpreende, para o bem e para o mal. Tudo pode mudar, o tempo todo. Como já escrevi em textos anteriores, é tempo de renascer na certeza de que nada é eterno, nem o bem e nem o mal. Vivamos um dia de cada vez, da forma como nos for dado. Vivenciar os momentos com humor é também uma forma de manter a esperança e a sanidade mental.

Algumas histórias são mais emocionantes na ficção, por lá sempre estamos a salvo, espectadores. Protagonistas agora, sigamos desempenhando nossos papéis, cujo script não conhecemos de antemão. Nesse arremedo de máquina do tempo, façamos das nossas casas lugares de tolerância, amor, solidariedade e reflexão. Que a Páscoa se faça em nossos corações. Renasçamos.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e até hoje se arrepende de não ter resgatado a galinha – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.