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Comecei a fazer pães ainda adolescente, inspirada pelo meu avô paterno, Seu José, que era padeiro. Infelizmente ele faleceu antes de conseguir me ensinar os segredos de seus pães, roscas, sonhos e outras delícias. Tivemos, no entanto, o tempo do encantamento. Pude observá-lo, muitas vezes, manipulando a farinha, transformando-a em massa que, após sair do forno, era não só alimento, mas obra de arte.

Perfumados, saborosos, em diferentes formatos e tons que iam do marrom mais acentuado ao mais claro, de cascas sutis e miolo macio. Foi um caso de amor à primeira mordida com manteiga. Comer pão é um prazer ao qual me dedico com alegria. Não abuso, no entanto. Como com a moderação de quem degusta, sabedora de estar diante de um alimento milenar, global e delicioso.

Assim, mesmo após a morte do meu avô, iniciei minhas tentativas de panificar. Quando estava na faculdade, logo no primeiro ano, encontrei uma receita de pão de leite condensado. Acho até que eram aquelas receitas que vinham no verso da lata. O resultado foi um pão imenso e extremamente fofo que agradava os jovens recém-saídos da adolescência e repletos de fome do pensionato misto onde morei por quase um ano. Infelizmente aquela receita se perdeu nas décadas que se sucederam.

Há pouco mais de dez anos comprei uma máquina de fazer pães e durante meses fiquei enlouquecida! Era possível fazer geleia e até programar para que um pão ficasse pronto nas primeiras horas do amanhecer. E bastava colocar os ingredientes lá dentro, apertar uns botões e pronto: lá vinha pão. No começo sofri um pouco e alguns pães ficaram meio consistentes demais, por assim dizer. Poderiam ser usados até mesmo como tijolos, mas tão logo entendi a dinâmica da máquina, usei-a sem dó nem piedade. Só diminui o ritmo quando os botões das minhas calças, em protesto, recusaram-se a entrar na casa.

Sem dúvida que a máquina era uma praticidade, mas eu queria mesmo era botar a mão na massa, era trabalhar pães mais artesanais e, agora já na era da internet, comecei a procurar maiores informações e vídeos, arriscando-me a fazer o meu próprio fermento natural, o levain. Foi um tempo de experiências, algumas boas e outras nem tanto, mas cada pão era uma promessa de massas melhores.

Certo dia, há cerca de 5 anos, tomei coragem e me inscrevi em uma oficina de pães, ministrada em uma escola de panificação francesa aqui de São Paulo. Ao término de 9 horas em pé ao lado de fornos industriais muito quentes, saí da aula com os braços carregados de muitos e maravilhosos pães e a cabeça cheia de ideias sobre farinhas mais fortes, fornos mais eficientes e mais uma pequena lista de coisas que eu poderia providenciar.

De lá para cá já passei por vários outros cursos e entendi que não há uma única ou correta maneira de fazer pão. Há muitos fatores que influenciam nos resultados e ainda estou muito longe dos pães que os mestres da panificação produzem. Uma coisa, no entanto, há em comum entre todos aqueles que se dedicam de verdade a essa atividade: o amor! Todo pão feito com carinho, com respeito aos grãos que se tornaram farinha, pouco importando, em verdade, se o resultado foi o melhor esperado, é especial.

Só quem conhece o aroma de um pãozinho saindo do forno em uma tarde fria, sobretudo nesses dias tão difíceis, é capaz de entender o poder terapêutico que isso tem. Considero um processo de alquímico, incrível de acompanhar e delicioso de saborear. Fazer tem me ajudado a manter a sanidade mental. Meus vizinhos, penso eu, agradecem, eis que nas portas deles, semanalmente, apareço com pequenos mimos. Se você nunca fez pão, não se intimide: há receitas para todos os bolsos, gostos e habilidades disponíveis na internet. Aventure-se. Faça pão.

Um dia isso tudo vai passar. Tenhamos fé!

Cinthya Nunes é jornalista, advogada e faz “paoterapia” – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.