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O tão temido frio chegou. Especialmente nesse ano, em tempos de vírus, a vinda do frio prenuncia tempos mais sombrios, eis que potencialmente agrava os sintomas provocados pela Covid-19. De fato, anseio por textos nos quais esse nome nem apareça, mas por ora fica quase impossível fugir completamente do assunto.

A temática de hoje, em verdade, é sobre o frio. Não sou grande fã das temperaturas baixas, mas aprecio as boas coisas que dias frios proporcionam. Gosto de cobertores no sofá, de assistir tevê ou ler enrolada nas mantas quentinhas, com uma xícara de café ou chá fumegando por perto. De dormir um pouco mais, com a justa preguiça das primeiras horas de claridade.

Por outro lado, no frio, parece-me, a nossa fome é maior. Isso complica um pouco as coisas para quem quer manter o peso e não tem, nesse momento, muitas condições de se exercitar. As temperaturas frias combinam com sopas, queijos, pães e bolos quentinhos. Triste, entretanto, imaginar o quanto sofrem, nesses dias, as pessoas e animais desabrigados. A pandemia não é a causa do desamparo ao qual muitos estão expostos, mas é óbvio que agravou dita miséria.

Fechada em casa desde março, trabalhando como posso e ocupada o dia todo com os mil afazeres domésticos, pego-me fechando portas e janelas tão logo a tarde se adianta. Certifico-me de que todos nós estejamos agasalhados ou abrigados, pessoas e bichos. Depois de finalizar minhas obrigações diárias, às vezes pego novelos de lã e começo a tecer grossas meias. De repente eu me sinto como uma mulher de alguns séculos atrás, não fosse pela internet e pelo fato de que anseio a volta de dias mais animados a serem vividos lá fora.

Invariavelmente, nessa toada, sou surpreendida pelas lembranças de invernos vivenciados na infância, quando (loucos) colocávamos uma latinha com álcool e fogo no banheiro para que fosse possível tomar banho sem tiritar de frio. Íamos para escola com tanta roupa que se caíssemos, poderíamos rolar sem arranhar um centímetro de pele. Para dormir era inevitável forramos a cama com cobertor e praticamente ficarmos soterrados pela montanha dos outros que nos cobriam.

O frio também me lembra das festas juninas, das fogueiras e quentões. Cachorro-quente, pipoca, bandeirinhas, pescaria e camisa quente de flanela. Muito provável esse ano não acontecerão. Não é o momento para aglomerações, nem para festejar. Ao menos em respeito aos mortos. Sem clima também para as quadrilhas. Só se fosse para gritar: Olha o vírus! Uhh, é mentira!

Nesse frio pandêmico dá um medo lascado até de ficar com resfriadinho bobo, daqueles que faziam só o nariz escorrer e sermos mimados com sopinha e chá. Sempre era um argumento poderoso para dormir mais um pouco ou postergar algum trabalho. Agora espirrar é um misto de crime com prenúncio de pânico. E se for ele? E todo álcool gel que eu passei? Dor de garganta, então, a gente nem se permite sentir. Taca logo mel, limão, faz gargarejo. Vale tudo! Valha-me Deus!

Frio deve ser bom para quem tem casa equipada com aquecimento interno completo, daqueles que aquecem até o chão do banheiro, a toalha e a água que sai de qualquer torneira. Para quem tem que ligar o chuveiro bem pouquinho para não morrer de frio, nem tanto. Para quem sobrevive ao relento, muito menos.

O frio não é minha temperatura preferida, com certeza. Agora, ainda é temida, e nem é mais apenas pela água gelada da pia, tampouco do arrepio ao deixar a piscina depois da natação. O frio, nesses dias meio apocalípticos, vive também dentro de nós.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada e tem frio até diante do setor de congelados no mercado – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.