Dias atrás os jornais noticiaram o lamentável episódio em que um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, após ser abordado por policiais enquanto caminhava na Orla da praia de Santos, sem usar máscara, deu a velha conhecida “carteirada”. Por ocupar um cargo de tanta importância e destaque, o que se esperava dele era exatamente o contrário de desobedecer à norma legal.
Desconheço a realidade de outros países nesse quesito, mas, infelizmente, no Brasil, muitas autoridades se comportam como integrantes de uma espécie de realeza, coberta de benefícios e regalias que não se justificam diante do cenário econômico nacional. Essa situação se estende pelos três Poderes e em suas várias esferas.
Por óbvio que generalizações são sempre ruins e não espelham a verdade. Em todos segmentos sociais é possível encontrar pessoas bem-intencionadas e aquelas nem tanto. Esse texto não tem a intenção de atacar esse ou aquele Poder, muito menos alguém em específico. Contudo, o evento do desembargador acendeu a luz sobre uma questão que vem incomodando a opinião pública um pouco mais a cada dia.
Tivesse o magistrado apenas não usado a máscara, por mais que se trate de uma conduta repreensível, seria possível compreender que, como indivíduo, pode estar sujeito a erros. Hostilizar o policial, colocando-se acima da norma, como se pertencesse a uma categoria diferente de pessoas, aquelas que gozam da prerrogativa de não se sujeitar ao ordenamento jurídico, podendo, ainda, ofender e humilhar quem se coloque entre seus caprichos, já fere de morte o desejo e o projeto social de igualdade.
Sei que estamos muito longe de pertencer a uma sociedade igualitária, mas se desprezarmos situações como essas, estaremos endossando a cultura monárquica que infesta o Poder Público e penso que a sociedade, aos poucos, vem se posicionando contra isso. Bastou acompanhar as redes sociais sobre esse caso recente e o quanto as pessoas ficaram indignadas e cobraram providências. Ninguém mais está disposto a aceitar que fique por isso mesmo.
Confesso que não conheço o nível técnico das decisões do desembargador, tampouco sua carreira e, por isso, não me cabe tecer comentários nesse sentido, mas não duvido que aqueles que foram perdedores em contendas por ele julgadas, sintam-se agora desconfortáveis. Se ele tem a “mão pesada”, se é rigoroso com as falhas alheias, a coisa fica ainda pior, eis que se coloca uma espécie de dúvida moral sobre ele. O Conselho Nacional de Justiça, talvez por isso, retirou do Tribunal de Justiça a competência para investigar o caso, evitando-se futura alegação de corporativismo.
Celulares com câmeras excluem qualquer tentativa de acobertar acontecimentos dos quais não nos orgulhamos. E se isso expõe as pessoas em muitas medidas, também expõe as mazelas da sociedade, tornando inevitáveis os julgamentos públicos. Claro que nem sempre de forma justa e esse é um risco, mas não fosse a prova inconteste de como agiu de maneira reprovável, por certo agora seria a palavra do policial contra a do desembargador e nem é difícil imaginar quem levaria a pior.
Ainda que esse caso não seja único e que reflita uma cultura de que nesse país ser autoridade é uma condição praticamente “Olimpiânica”1, o fato é que, por assim dizer, ele deu azar em se tornar conhecido. Tomara sirva de exemplo para uma mudança de postura e de valores. Só o tempo dirá. E se o policial não sabia com quem estava falando, agora o país todo sabe.