Aqui na cidade de São Paulo, onde moro e de onde escrevo meus textos, aos poucos várias coisas vão se “normalizando”, se é que a palavra normal ainda faz algum sentido nesses dias. Ao contrário de muitas outras cidades do interior do Estado, por exemplo, o comércio por aqui, em grande parte, já está aberto.
Shopping Centers, Academias, bares e restaurantes já começam abrir com ocupação limitada e com horário reduzido. Não há mais espaço para aglomerações, filas e confraternizações públicas. Ao menos até que se tenha uma vacina devidamente testada, segura e disponível gratuitamente, viveremos um arremedo da vida que desfrutávamos.
Sinto falta de como a vida era, de poder visitar e de receber amigos e familiares em casa, de respirar sem máscara ao ar livre e de mais um monte de outras coisas. Contudo, meu lamento em nada será capaz de mudar a realidade dos dias presentes. Antes pudesse, sobretudo para trazer de volta tantas vidas perdidas. Infelizmente, só há uma direção a seguir, aliada ao desejo de que a vacina possa vir e nos permitir uma nova chance.
Restrita basicamente a minha casa, pouco dela saindo, exceto para comprar o necessário e atender algum cliente quando isso se faz imprescindível, tenho mais condições de observar as coisas ao meu redor. Tenho a sensação de que, querendo ou não, tristes ou não, as pessoas terão que se adaptar às condições disponíveis. Em parte, inclusive, muitos já o tem feito, principalmente quanto aos negócios.
Todos os dias, quase pontualmente às 8h30 e às 16h30, escuto o som de uma buzina seguido da frase: Olhaaaa o padeirooo chegaandoo! Trata-se de um motoqueiro que traz consigo um cesto de pães artesanais, fazendo entregas e vendendo a quem interessar possa. Nunca comprei, mas aqui mesmo na minha rua ele tem fregueses cativos. Não consigo traduzir em palavras, mas todas as vezes nas quais o escuto passando por aqui é como se eu viajasse no tempo, rumo a um passado que sequer conheci.
Até o cinema, arte que evoluía com as projeções em 4D, com experiências sensoriais inovadoras, agora se vê de volta aos tempos dos drive-in. De dentro dos seus carros, as pessoas assistem, em super telas, aos sucessos, novos e velhos, da sétima arte. A cena em si já remonta ao século passado, na década de 30, quando, nos Estados Unidos, surgiram os primeiros cinemas a céu aberto. Até acredito que um dia os nossos cinemas modernos voltem a funcionar, mas acredito que terão que conviver com sua versão retrô.
Em outros aspectos, tenho visto muitas pessoas criando pequenas hortas em suas residências, mesmo quando não possuem espaço para tanto. E não se trata unicamente de um hobby ou capricho, mas de uma providência para dias futuros. Do mesmo modo o fato das pessoas se redescobrirem na cozinha, fazendo seus próprios pães, recuperando receitas de família. Tudo isso é um processo de adaptação, necessário até para atender às regras de isolamento.
No início da pandemia eu imaginei que as pessoas sairiam melhoradas disso tudo. Já não creio nisso de forma generalizada, porque se a estupidez tem uma virtude, é a de ser persistente. Mas tenho certeza de que o mundo não será o mesmo lugar de antes. Estamos nos reinventando, cada qual do jeito que consegue. Algumas coisas voltam às origens, em uma espécie de resgate, enquanto outras miram as novas tecnologias. O mundo está reescrevendo sua história e nós, peões, tentamos sobreviver às jogadas em meio a esse louco e imprevisível tabuleiro.
Nunca, ao menos para mim, o ditado “O futuro a Deus pertence” fez tanto sentido. A nós, humanos, em verdade, fica claro agora, nunca pertenceu.