Incrível como a vida busca prevalecer, mesmo nos ambientes mais inóspitos, mais improváveis. Plantas, animais e seres humanos parecem ter um poder especial quando o assunto é a superação, quando a única opção é a luta pela sobrevivência.
Sempre penso nisso, em como a vida abre passagem em meio à morte. Filosófica e empiricamente, no individual a morte sempre vencerá a vida, sendo mais um arremate, um acabamento da trama da vida. No entanto, no coletivo, a vida ainda é a campeã, renovando-se sempre que tudo parece perdido.
Em muitos lugares do mundo nos quais a pobreza extrema prepondera, onde a miséria das enfermidades é a premissa maior, ainda assim a vida mostra quem dá as cartas e a morte só pode existir quando é seu contrário. Nunca deixei de me espantar diante daquelas fotos de mulheres africanas, esquálidas, quase cadáveres anunciados, com o ventre inchado de vida, grávidas e cercadas de crianças igualmente desvalidas. Mesmo chocada, hoje entendo que isso é a demonstração de que a vida é uma competidora valente e destemida.
Outro dia, enquanto eu caminhava pela calçada, aqui mesmo no bairro onde moro, encontrei um galhinho de uma planta ornamental, jogado e meio amassado no concreto cinza. De cor arroxeada, a plantinha contrastava com as cores ao seu redor. Desviei para não pisar nela e quase instintivamente a recolhi do chão para acabar depositando-a em um floreira que tenho na frente de minha casa. Suspeitei que talvez ela não resistisse, mas algumas semanas depois ela me surpreendia com uma pequena flor rosada. Ela era quase lixo, mas a centelha de vida que lá havia se apossou dela e a fez ressurgir.
Essa semana, indo para outro bairro de São Paulo, enquanto eu olhava para fora da janela do táxi, tive a sensação de ver, com o canto dos olhos, algo correr pelos fios de luz e foi só quando olhei pela segunda vez é que entendi que era um sagui, um macaquinho que andava entre um poste e outro, pulando de árvore em árvore. Registro que fiquei embasbacada, maravilhada. Nunca imaginei que um macaquinho pudesse sobreviver no meio da cidade de São Paulo. Tão pequeno, frágil, mas tão resistente.
Do que se alimenta e onde vive aquela criaturinha? Fiquei imaginando que lindo seria se eles estivessem por aí em todos os lugares, em harmonia com os seres humanos e com o meio ambiente onde estão todos inseridos? Mas diante de nossa realidade tão diversa, restou-me a torcida para que ele possa continuar a existir, a Ser, já que pelos seres humanos muitos já não o são mais, vítimas de todo tipo de ódio, ignorância e maldade.
Diante de arranha-céus, de rios mortos, a vida dá um jeito de seguir algum curso, de prosseguir tentando nos ensinar a lição que teimamos em ignorar. A vida, mesmo nos pequenos seres, naquilo que se renova ao insistir em nascer, em respirar, prossegue tentando nos levar de volta, sensibilizados, ao ponto de partida.
Toda vida prima por existir, por fazer valer seu direito de ser parte desse mundo. Respeitar todas as suas formas é o marco divisor da humanidade. É tudo questão de opção, no fim das contas. Podemos contemplar a vida ou nos resignarmos a conhece-la somente pelo avesso, pela sua triste ausência.
Cinthya Nunes – jornalista, advogada e professora universitária