Antes que alguém pense que vou fazer uma apologia à onda de filmes sobre zumbis, já ressalto que não estou entre os fãs desse tipo de monstro. Confesso que os vampiros, lobisomens e fantasmas, de alguma forma sempre habitaram meu imaginário, suscitando não só o meu medo, mas também meu fascínio. Já com os ditos mortos vivos, daqueles que ficam caindo aos pedaços, verdes e gosmentos, a coisa é diferente.
Há nos vampiros e nos homens lobos certa dose de erotismo, de mistério e de sedução, que proporcionam a esses personagens certo quê de atraentes. O cinema e a literatura, aliás, muito já trouxeram e exploraram sobre a temática do amor estranho entre humanos e criaturas da noite. Mas falando sério, alguém consegue imaginar um romance agradável entre um vivente e alguém que vai apodrecendo, deixando pedaços pelo caminho e com muita vontade de comer seu cérebro ou um pedaço qualquer que você deixe à mostra, sem querer? Então...
Mas eu já estou desviando do meu foco. Minha intenção não era entrar no universo das criaturas mortas que parecem vivas. Ao contrário, é falar sobre as criaturas vivas, mas que parecem mortas. Qualquer um que tenha olhos para ver, poderá entender o que quero dizer... Basta, por exemplo, circular pelo centro de São Paulo, a qualquer hora do dia, e, sobretudo, da noite.
Há uma horda lamentável e gigantesca de pessoas “vivendo”, ou melhor dizendo, habitando as ruas. E o pior que isso nem causa espanto ou comoção a praticamente ninguém. Ao menos eu não consigo notar intervenções efetivas do Poder Público, seja na seara da Assistência Social, da Política ou da Polícia/ Judiciário, para mudar, efetivamente, esse estado de coisas.
São os verdadeiros marginais, no sentido semântico da palavra, daqueles que vivem à margem de todas as coisas e, no meu sentir, à margem da vida... Vivem perambulando pelo dia e pela noite, dormindo onde o corpo cair, esgotado pelas drogas lícitas e ilícitas e pela droga da desesperança e do desamparo. Eu jamais vou entender que possamos definir alguém como sendo das ruas, como se estivéssemos nos referindo ao segundo gênero humano. Os zumbis reais, talvez? Pena que esses não tenham o glamour daqueles que aparecem nas telonas e nas telinhas...
Fico pensando, assim, que é provável que a razão pela muitos de nós se admirem dos mortos-vivos do cinema e fechem os olhos para os vivos-mortos da vida real, seja porque é mais fácil dormir crendo que os primeiros são somente ficção e não vão invadir as nossas casas gritando “cérebro, cérebro”. Meu problema é que os outros, os vivos-mortos, vivem invadindo os meus sonhos, gritando “compaixão” e é o medo da minha indiferença que não me deixa dormir...