Uma a uma as árvores vão caindo. O baque seco e surdo no chão, entrecortado pelo som medonho e insensível da serra elétrica. Moradas de pássaros, de abelhas, verdadeiros pulmões da natureza. Algumas pequenas, outras com décadas de vida, uma ou outra provavelmente centenária. Todas indefesas, pouco importando o porte ou a espécie. Sem pernas para correr, sem asas para voar, sem dentes para morder, nada podem diante da crueldade humana.
Esta é a imagem que tem me apavorado desde que soube da obra da Avenida Sena Madureira, próxima de minha casa, na cidade de São Paulo. Um grupo de pessoas inconformadas e preocupadas com o meio ambiente se reuniu em torno da causa. Primeiro foi tentado o diálogo, apelando-se para o bom senso, solicitando transparência, informações, justificativas. Pouco ou quase nada se conseguiu assim.
Com a proximidade das eleições, as obras ficaram paradas, tudo para recomeçarem no dia seguinte, com resultados já definidos. Novamente mobilizados, na luta por salvarem um dos últimos corredores verdes da zona sul da cidade, os moradores foram às ruas, armados somente de voz e papel, no pacífico e legítimo exercício da cidadania. Dos poderes constituídos, pouco ou nada de salvaguarda, ao menos até o momento em que escrevo.
Ao contrário, infelizmente, várias das pessoas que lá estiveram, abraçando as árvores, clamando por piedade, foram até achincalhadas por alguns funcionários da obra. A mão do poder veio contra a população e o meio ambiente, sem que ninguém mais, exceto alguns órgãos da imprensa, dessem ouvidos à causa, de nobreza indiscutível.
Idosos, crianças, homens e mulheres se revezaram, inclusive em vigília noturna, na tentativa, quase completamente vã, de evitar cortes às escondidas. Nem mesmo o Criador parece ter olhos ou ouvidos, indiferente ao clamor daqueles que somente lutam pela vida, eis que a chuva, se caísse forte por esses dias, poderia dar o tempo e o fôlego na busca de algum socorro extra.
Advogada, sou cumpridora da lei, ajo respeitando às normas impostas, à Constituição Federal e, além disso, não tenho subsídios concretos ou provas, para afirmar sobre eventual ilicitude ou outros defeitos jurídicos na obra em questão, o que competirá, se for o caso, ao Poder Judiciário, mas nada me impede de considerá-la cruel e de lamentar a postura da Prefeitura, que poderia, no mínimo, determinar, em último caso, que as árvores pequenas e médias fossem replantadas, em respeito à vida que nelas habita. Poderia ter sido uma condição para a contratação da obra, inclusive.
Enquanto isso, algumas pessoas se manifestam nas redes sociais afirmando que pouco se importam com as árvores e que o importante é ter um túnel para chegarem mais cedo em casa, entre outras barbaridades, enquanto os manifestantes são descredibilizados e contidos por quem os deveria proteger. Essa obra ainda envolve o aterramento de nascentes e a retirada de famílias, questões bem complexas e controversas.
Para ser minimamente razoável, as discussões sobre as repercussões, sobre a logística, alternativas, impactos humanos e ambientais, deveriam ter ocorrido de forma aberta, democrática, com a real participação de todos os interessados, com tempo, sem a pressa que não encontra justificativa lógica. Talvez houvesse um caminho do meio a ser seguido, mas não foi essa a via eleita.
Infelizmente eu não acredito que seja mais possível salvar as árvores e poucas vezes na minha vida eu desejei tanto estar errada. Descobri que é assim que, ano a ano, as casas e seus quintais se transformam em prédios, que os rios morrem, que o verde perde a cor. Um dia, quem sabe, os livros de história terão fotos do antes e do depois e, nesse dia, espero que os descendentes de todos os envolvidos se orgulhem dos lados e das causas que seus antepassados escolheram defender. Hoje, a devastação que dá nome ao texto, acontece, inclusive, dentro de mim.