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pai

Mauro sonhava em conhecer o pai. A mãe dizia que não precisava. Ela era mãe e pai e já bastava. Não bastava, mas o menino não tinha coragem de dizer isso a ela. Admirava a mãe e a amava incondicionalmente, mas tinha dentro dele aquele misto de curiosidade e de saudade de algo que nunca teve.

Marília era uma mulher forte, batalhadora. Cozinheira em um restaurante havia quase uma década, conseguia levar para casa quase todos os dias uma refeição especial, trato feito com o patrão que não gostava de desperdiçar a comida do dia e que, por preço simbólico, descontava do salário dela as duas marmitas com sobras. Aos treze anos Mauro nunca soube o que era passar fome e a mãe se gabava de dar ao filho “comida de gente rica”.

Em troca de fazer a comida das professoras no final de semana Marília conseguiu uma bolsa de estudos parcial para o filho que, assim, estudava em um colégio particular. O restante da mensalidade ela pagava com o salário de cozinheira e com os bicos fazendo bolos de aniversário e salgadinhos para a vizinhança e conhecidos. As roupas de Mauro eram lavadas e passadas com a delicadeza de quem cuida das próprias asas. “Filho meu não anda desgrenhado”, diz ela, repleta de orgulho e cansaço.

Viviam em uma casinha alugada, com quatro cômodos. Mãe e filho dormiam no mesmo quarto e na pequena sala ela improvisou um canto para o menino estudar. No futuro, pensava ela, juntaria dinheiro para uma casa maior, um lugar onde o menino tivesse um lugar só dele. Mauro era estudioso. Quem sabe viraria doutor? Talvez até a levasse para morar com ele e os netinhos que um dia ela sonhava ter e uma nora que ela esperava gostar.

Quando o filho começou a perguntar todos os dias pelo pai, Marília sentiu o coração apertar como se fosse morrer. Ela não tinha feito tudo por ele? Mãe aos dezenove anos, ainda era jovem e bonita, mas nunca pensou em colocar outro homem para dentro de casa. Não enquanto Mauro precisasse dela e ela ainda se ressentisse do passado. Pretendentes não faltavam, mas deixava claro a todos que se arriscavam que ela não estava interessada em nada além do filho e do trabalho.

Como poderia explicar ao filho que o pai sequer sabia da existência dele? Que moravam na mesma cidade e que ele tinha outros filhos, seus meios-irmãos? Não era justo! Quando Olavo contou que voltaria para a esposa, Marília nem teve tempo de contar que estava grávida. Perdeu o primeiro amor da vida, mas confortou-se ao saber que não saía só. Teria alguém para chamar de seu e à criança dedicaria todo o amor que Olavo tinha recusado.

O homem nunca mais a procurara e se desconfiava que o moleque era filho dele, preferiu não perguntar nas poucas vezes em que o destino o colocou frente a frente de novo, numa aparente coincidência. Marília, assim, achava que o pior já havia passado, mas agora, diante das perguntas diárias de Mauro, sentia-se perdida e sem coragem, como se todos os segundos fossem prévias do que estava por vir.

Num desabafo conversou com uma das professoras do menino. “Acho melhor você dizer a verdade, antes que ele tenha raiva de você”, dissera a mulher. Marília não suportaria ser o alvo do desgostar do filho. Em uma tarde contou tudo num repente, sem avisos, sem pausas, sem respirar direito. O menino ouviu atento, olhos nos olhos chorosos da mãe. Abraçou-a forte e ela sentiu que um rapazinho ia se formando nos braços que agora a envolviam por completo.

Ele estava feliz, disse a ela. “Você quer falar com ele?”, perguntou, tentando segurar a dor que a invadia, embora nem imaginasse a reação de Olavo, ela devia isso ao filho. “Um dia”, respondeu o menino, “mas não hoje”, beijando a testa da mãe. Naquele minuto, sentiu, era hora de crescer. Segurando as mãos trêmulas e frias da mãe, perguntou o que ela achava de ensiná-lo a cozinhar? Um dia, quem sabe, ele seria um pai e ela uma avó.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e presta sua homenagem perpétua a todos os pais, de sangue, de alma e de fé – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br