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tristeza

Admito que tentei, mas fui incapaz de preservar neste espaço a temática ordinária dos meus escritos, sobre as pequenezas que tornam nossas vidas únicas e imensas. Estou, como creio, a imensa maioria das pessoas, arrasada diante da tragédia que assola parte do Rio Grande do Sul.

Mais de uma centena de pessoas mortas e outra centena de desaparecidos. Casas e vidas destruídas. Animais que se perderam dos donos, além de outros tantos que também pereceram sob a força das águas. Impossível manter distância emocional. Por óbvio que há uma tragédia em cada esquina do mundo acontecendo todos os dias, mas há um peso extra quando isso acontece próximo a nós, com conhecidos e amigos.

Tenho acompanhado relatos de vários amigos e nem sei expressar, traduzir a tristeza dessa calamidade. E nem importa agora o discurso de que “era uma tragédia anunciada” e outras coisas de tal naipe. Questões de eventuais responsabilidades e omissões ficam para outro momento e em nada, absolutamente, diminuem a dor de tantas perdas.

Até porque, se formos pensar, os desastres naturais muitas vezes são imprevisíveis e, mesmo quando decorrem parcialmente da ausência de investimentos, de políticas de prevenção, isso não pode ser atribuído necessariamente a todas as pessoas que foram vítimas. Vivemos todos no mesmo lugar e enquanto não tivermos empatia, solidariedade, amor ao próximo e ao planeta, coisas como essas irão nos perseguir para onde quer que pensemos estar a salvo.

E como se a dor não fosse bastante, ainda há o indizível e impensável de gente tão abominável que se aproveita para dar golpes e desviar a ajuda que segue, que saqueia as casas na ausência dos moradores, que se comporta de modo tão podre que não há adjetivo que os possa nominar com precisão.

Mas ao mesmo tempo em que me sinto acometida de imensa vergonha alheia, também não é possível ignorar os exemplos de tantos que arriscam até suas próprias vidas para salvar as vítimas ilhadas, pessoas e animais. Gente que dá abrigo, que ampara, que se dedica ao próximo com desprendimento tão genuíno que traz esperança de que nem tudo está perdido, ainda que essa seja a sensação coletiva de quem se importa.

E assim, tomada pelos pensamentos sobre os acontecimentos tristes dos últimos dias, ao tomar um táxi, já incomodada com o motorista que fazia manobras perigosas e que parecia estar em uma corrida maluca pelo trânsito carregado de São Paulo, comentei, para descontrair, sobre a tristeza do momento vivido, ao que o homem, ainda jovem, respondeu-me: “também, eles se acham”. Sem entender do que ele falava, fiquei em silêncio, ao que ele completou: “e está previsto nas escrituras, todo mundo sabe”.

Dois minutos depois eu desci do carro, aliviada e aturdida. Nem quero entrar no mérito das crenças eventuais religiosas do motorista, mas a frieza dele chegou a me dar náuseas. Desejei que ele receba a mesma consideração quando a vida lhe negar os melhores abraços e que sinta consolo nisso, seja lá onde estiver escrito.

Não há religião do mundo que me impeça ou me convença de que diante da dor do meu irmão é justo ser indiferente. Que a chuva possa parar e que as pessoas possam achar caminhos para recuperar o que for possível e que se há um Deus, que ele seja consolo e nos proteja de todo mal, sobretudo daquele que se disfarça de Bem.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e lamenta demais a tragédia que atinge os gaúchos – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./ www.escriturices.com.br