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Pães

Nesses dias têm sido difícil pensar em assuntos leves, naqueles temas que sempre serão minha preferência, porque enquanto os escrevo, derramando letras mais sutis sobre o papel, também me preencho das delicadezas que nos permitem uma vida menos dura.

Por outro lado, penso, quem procura por uma crônica dentro de um jornal, não quer mais do mesmo, talvez buscando um respiro em meio à inevitabilidade das notícias sobre o quanto o clima está louco, os preços estão aumentando, a violência que nunca dá descanso e por aí à fora.

E claro que sempre há boas notícias, mas por muitas razões perdem lugar diante de outras mais graves, mais atrativas ou de utilidade pública. Então enquanto eu pensava sobre o que escrever, borrifando repelente no corpo inteiro, morta de medo do mosquito (ou seria pernilonga?) da dengue, resolvi me dar ao luxo de comer um bombom.

Nem sou muito de doces, mas na ausência de alguma guloseima mais reconfortante, peguei o que tinha pela frente e sem olhar retirei um da caixa. Dar a primeira mordida foi como embarcar em uma máquina do tempo e, por alguns segundos eu tinha outra vez cinco anos e estava na sala da casa de esquina em que morava com meus pais, devorando devagar o chocolate Sensação, com todo cuidado do mundo parque o recheio de morango não se perdesse pelos meus dedos.

Era meu chocolate preferido e havia todo um ritual para comê-lo de tal forma a me permitir degustá-lo da melhor e mais lenta forma possível. Ao experimentá-lo hoje deixei a calda de morango me reconfortar e me transportar para um tempo bem mais simples. Não penso na vida, ou tento não pensar, dividindo-a em momentos mais ou menos felizes, porque na verdade a gente se esquece, talvez por conveniência, talvez por proteção, de que tudo é vivido junto e embolado. O riso e o pranto. A chegada e a partida. O amor e a dor. Os ganhos e as perdas.

Apesar disso gosto de me lembrar da infância porque no mínimo eu desconhecia a existência dos boletos, bem como eles não me pertenciam. A vida adulta, por melhor que seja, é sempre acompanhada de responsabilidades e do receio de não dar conta delas. Não que as crianças também não as tenham, mas estou certa de que se soubéssemos como as preocupações da infância e da adolescência, de modo geral, são menores, cresceríamos mais devagar.

Mas retomando o tema dos sabores e das sensações que nos despertam, lembrei-me de outras coisas interessantes. Há cerca de uns vinte e cinco anos, enquanto ainda morava com uma de minhas irmãs, tínhamos o costume de comprar um café aromatizado, cujo cheiro impregnava de modo divino toda a pequena casa que dividíamos. Quando passo por alguma cafeteria e aquele cheiro me alcança, sou de novo uma jovem advogada recém-formada e sem ideia do que seria minha vida (aliás, nesse tocante, só deixei de ser jovem e recém-formada).

De todos os cheiros e sabores da minha vida, porém, nenhum supera o cheiro dos pães caseiros da padaria do meu avô paterno, o seu Zé. Talvez por isso eu ame padaria até hoje e eu mesma faça pães. Tudo para ter uma máquina do tempo ao meu dispor, capaz de transpor, ainda que por segundos, para os melhores e mais seguros lugares da minha mente e do meu coração.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária, aprendiz de padeira e apreciadora de comidas reconfortantes – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br