Há quase três décadas venho tentando que nasça e cresça um único maracujá que seja nos quintais das casas em que morei. A planta, uma trepadeira, da qual nasce uma de minhas frutas favoritas, sobretudo para suco, mas também para bolos e doces, o maracujazeiro produz flores muito bonitas e perfumadas.
Na minha infância eram comuns os pés de maracujá nas casas dos avós e mesmo na chácara em que moramos por alguns anos. Em determinadas épocas eram tantas as frutas que até doávamos o que não dávamos conta de consumir. Até então eu somente conhecia a versão azeda do maracujá e somente vários anos mais tarde, já morando em São Paulo é que foi apresentada a frutos doces, cujas polpas deliciosas eu devoro em algumas colheradas.
Desde que fui morar longe dos meus pais nunca mais tive um quintal ou jardim com terra. Acho, inclusive, que todas as casas deveriam, por lei, ter que observar um mínimo espaço livre de solo capaz de abrigar uma árvore, uma horta ou um canteiro de flores. Apesar dos meus desejos, no entanto, sigo cultivando tudo o que é possível em vasos, nos quais muitas sementes de maracujá já tiveram a oportunidade de nascer.
O mais perto que cheguei de alcançar, em tal empreitada, meus objetivos, foi ver três flores que abriram e dois maracujás que, antes de caírem, ainda muito verdes e pequenos, deram-me esperanças vãs. É preciso, porém registrar que tenho concorrentes muito mais fortes e espertas do que eu: as lagartas.
Acredito (nunca experimentei) que as folhas do maracujazeiro devam ser tão saborosas como os frutos, pois são alvo constante de lagartas que em pouco tempo as devoram, deixando somente os caules nus e áridos. Houve um tempo em que eu até procurei um meio de acabar com elas, desgostosa em ver meus esforços caírem por terra ou melhor, no meu caso, no piso, mas como regra eu desgosto muito de venenos e acabei deixando para lá.
Nunca mais plantei propositalmente, vencida que fui, nenhuma semente de maracujá, mas como as consumo semanalmente, as sementes seguiram brotando, por conta e risco delas, nos vasos que abrigam outras plantas. Optei por deixar a natureza se encarregar da disputa entre folhas e lagartas, secretamente torcendo pelas primeiras, mas sem ter coragem de apenas para os venenos.
Hoje, porém, ao observar os toquinhos das folhas que restaram, vi várias borboletas alaranjadas e pretas, voando em duplas, executando o que me pareceu uma dança enamorada, nas proximidades do coitado e depenado maracujazeiro. Foi quando, então, pensei que a vida, no fim, também é um pouco (ou um tanto) disso: se queremos a graça das borboletas, temos que suportar as lagartas.
Não tenho a terra que queria e nem mesmo consegui colher os maracujás que ansiava transformar em suco, em bálsamo calmante para dias de luta, mas, por outro lado, se posso comprar as frutas na feira e no mercado, prefiro ter as borboletas, nascidas livres neste meu minúsculo cantinho de flores, moradoras voluntárias da minha vida, símbolos de transformação, libertação e superação.
E a julgar pelo que vi hoje, os maracujás que lutem, pois uma nova geração de lagartas deve surgir em breve, cheias de fome de viver.