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bolo

Uma coisa precisa ser dita: as festas de aniversário de hoje são muito diferentes daquelas da minha infância e, por certo, das infâncias da maioria dos meus leitores habituais.

Antes que me acusem de ser nostálgica, coisa que nem nego totalmente, parto não apenas da minha opinião, mas das opiniões de muitas outras pessoas. Certo que não tenho aqui dados estatísticos e aquelas chatices todas, até porque quem é que hoje acredita completamente em pesquisas de opinião? Enfim, sigamos.

Quem já tem mais de três décadas pelas costas vai se lembrar das mesmas coisas, eis que não se trata de mudança tão recente. Falo dos comes e bebes das festas de modo geral, mas mais especificamente dos bolos de aniversário que passaram por um processo de encolhimento. De início, sob o justo argumento do não desperdício, da vida saudável, os bolos que quase ocupavam uma mesa inteira, foram diminuindo de tamanho, primeiro discretamente, sem que ninguém se desse conta, mas ainda capazes de servir sem miséria a todos os convidados.

É preciso voltar um pouco no tempo caso os mais jovens estejam por aqui acompanhando a leitura ou, na hipótese deste texto sobreviver ao tempo e ser lido daqui a uns dez anos (estamos em 2024, caro leitor do futuro), para explicar que os bolos de aniversário costumavam ser gigantescos e que todas as crianças e adultos sabiam de antemão que, querendo ou não, seria oferecido a eles um generoso pedaço para levarem para casa, pedaço esse que seria disputado entre os familiares que não estavam na referida festa, normalmente servido no café da manhã da família do convidado.

Não ignoro que eram bolos e tempos mais simples. Quase todos tinham os mesmos recheios, que variavam de abacaxi ou coco com creme ou ameixa com doce de leite. A cobertura era invariavelmente branca, uma espécie de glacê meio gorduroso que eu sempre tirava com o garfinho de plástico, pois me deixava embrulhada. O fato é que tinha tanto bolo para cada um que nem fazia falta a cobertura. Depois, após alguns anos tivemos melhorias e variações de recheios e coberturas, mas o bolo ainda tinha um tamanho digno.

Atualmente, em tempos de harmonização e gourmetização, tudo encolheu, inclusive os salários, infelizmente. Os bolos, de fato, agora são decorados, artísticos e com uma infinidade de novos sabores, aromas e texturas, mas nunca serão páreo para o bolão das tias, mães, avós e vizinhas boleiras. Inverso ao tamanho, os preços dos bolos ficaram estratosféricos e longe de mim menosprezar o valor do trabalho alheio, mas mesmo bolos mais tradicionais e simples não saem, aqui em São Paulo, por menos de 100 reais o quilo.

Então o resultado acaba sendo, no mais das vezes, um bolo pequeno que quase é fatiado na máquina de frios para que cada convidado coma uma fatia degustação, sem direito a repetir e, óbvio, a levar um pedaço para casa. Adeus café da manhã com bolo do aniversário alheio, carregado entre dois pratinhos de papelão. Os bolos de hoje se recusam a tamanha humilhação, pois são mais fotogênicos e preferem ficar bem nas redes sociais.

Brincadeiras à parte, todos os insumos subiram muito de preço e sei que não é fácil fazer um bolo gostoso, bonito e ainda cobrar o que cabe nos bolsos da classe média e baixa. No fim, quase uma equação mágica. Enquanto isso, resta-nos a lembrança e esperança, no meu caso, de aprender, eu mesma, a fazer algum bolo que possa ser comido e compartilhado.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e adora bolo – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br