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marie

Conhecida por todos os moradores da rua de um único quarteirão onde moro, Marie era o tipo de vizinha que agradava sem fazer esforço algum. Dona de um charme natural, fazia amizades facilmente e era sempre bem-vinda quando aparecia para suas rotineiras visitas.

Hoje, Quarta-Feira de Cinzas, dia em que escrevo, recebemos a triste notícia de que ela partiu, vitimada por um tumor que a impedia de comer e que em pouquíssimo tempo a deixou debilitada, fazendo cessar seus passeios e deixando menos alegre a vizinhança.

Marie chegou há alguns anos, trazida por uma de minhas vizinhas. Em pouco tempo tornou-se conhecida pelas pequenas fugas que empreendia, escapando pelas frestas da janela da sala, do portão da varanda ou aproveitando quando alguma porta demorava um pouco mais para fechar.

Frajolinha, Marie era uma gata sem raça definida, adotada quando já era adulta. Estima-se que viveu cerca de dez anos, o que é pouco dentro da expectativa de vida dos pequenos felinos. Durante o tempo em que a conheci, essa minha vizinha de quatro patas viveu intensamente, conquistando toda a vizinhança.

Em princípio ela não tinha acesso à rua, mas depois de muitas fugas dignas de Houdini, passou a ter direito a dar umas voltinhas diárias, durante as quais nunca se afastava muito. Usava esse tempo para fazer visitas às casas de sua preferência. Em algumas chegava a passar horas, depois que sua tutora era avisada, no grupo da rua, onde ela estava.

Ganhava carinho e petiscos e voltava quando bem queria, mas sempre antes de escurecer.

Várias foram as vezes nas quais eu a encontrei do lado de fora, sentada na frente do meu portão ou até mesmo na minha varanda. Em outras tantas eu a pegava no colo, sem que ela resistisse ou tentasse me arranhar e a colocava de volta, por frestas da janela ou do portão, para segurança da casa dela.

Era um tipo de gato cachorro, que vinha quando a gente chamava, que se enroscava entre as pernas das pessoas de quem gostava, ronronando e encarando com amendoados olhos verdes. Com curtos pelos brancos e pretos, usando sua coleirinha vermelha, Marie foi com certeza a vizinha que mais visitas fez aos moradores da rua.

A notícia da partida dela comoveu a todos, deixando nossa rua menos plural. Há muitos animais de estimação por aqui, mas poucos deixaram suas marcas como a Marie. Ela existiu e foi nossa vizinha, uma moradora da nossa rua e das vidas pelas quais ela passeou. Amava a liberdade e usufruía com sabedoria cada minuto dela. Como dizia meu finado avô Zé Vieira, neste mundo até os animais tem destino, vivem histórias diferentes.

Todas as partidas são tristes e para quem fica só resta a esperança de que haja um depois, que as ausências sejam vírgulas e não pontos finais. Em alguns momentos eu chego a questionar o sentido da vida, essa estrada tão incerta, mas tenho certeza de que se existe algum Paraíso, os animais são os primeiros a chegar lá.

Adeus Marie. Aproveite a liberdade. Até qualquer hora dessas.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e acabou de perder uma amiga – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br