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2023

E outro ano chega ao final. Mais do que a simples mudança de um número, é um ciclo que se encerra para que outro se inicie. Não me refiro a mudanças drásticas, aos pensamentos mágicos de que tudo muda com a mera alteração de um dígito no registro da história humana. O fato é que a vida é feita de ciclos. Há o dia de nascer, o tempo de crescer e, em proporções diferentes, o tempo de deixar de existir.

Difícil não me perder em reminiscências nessa época do ano. Vivemos a ilusão de que temos o poder de colocar pontos finais e de inaugurar outros parágrafos, arriscarmos novas histórias. E o paradoxal é que por mais que tudo seja contínuo, também não é. A vida nos conduz e, no desejo de conduzi-la, há distanciamentos e despedidas inevitáveis.

Em nossa família as festas de fim de ano são tradicionalmente o momento de estarmos reunidos, no melhor espírito de que somos capazes. E no meio de risadas, algumas discussões, somos o extrato e o resultado das histórias de tantos outros que vieram a esse mundo muito antes de nós. Nesses dias, enquanto gerações se reúnem, é palpável sentir as presenças das histórias que se fazem vivas, num quase renascimento.

Lembro-me dos avós e tios que contavam histórias dos antepassados deles, permitindo que habitássemos um tempo inacessível, incorporando memórias do que nem vivemos. E quando ouço meu sobrinho me perguntar se tenho mais algum caso interessante da minha vivência na advocacia para contar a ele, tenho certeza de que em alguma dimensão eu também já sou passado, existindo na lembrança de uma história repassada.

Passado, presente e futuro coexistem de modos misteriosos, talvez até desconhecidos pela humanidade. Tudo está dentro de nós, até que não esteja. Escrevemos nossas próprias histórias e simultaneamente a dos outros, coadjuvantes no existir. E de fato, penso, nem temos a dimensão de o quanto o que somos, fazemos ou dizemos impacta no outro, em como, na forma de memórias, seremos parte de vidas que tocamos, mas que não habitamos.

Considero a vida uma aventura indescritível, impossível de ser traduzida em palavras, até porque nem existem palavras capazes de traduzir a diversidade das vidas humanas. Ainda assim arrisco-me no intento de descrever alguns sentimentos que me açoitam em determinados momentos, certa da incompletude do que quer resulte disso.

Parece-me que grande parte do encanto decorre das interfaces que a vida proporciona e da nossa habilidade de vivenciá-las. Ainda que não seja fácil aceitar a finitude dos ciclos, dos convívios, das relações, fazemos parte de uma roda que gira a nossa revelia, somente nos restando apreciar a viagem e as companhias que ela proporciona.

Mais um ano se finda, inevitavelmente. Tantas pessoas não chegaram, no entanto, até esta parada. Outras tantas chegaram ou se preparam para aterrissar no nosso mundo imperfeito. Vamos virando passado enquanto vivemos o presente e preparamos o futuro. Nas interfaces complexas de vidas que se interligam, que se perdem para, quem sabe, em algum momento se reencontrarem, nada faz muito sentido se não aproveitarmos o momento que nos é dado, o instante presente.

Para 2024 eu desejo paz e sabedoria para que sejamos capazes de entender os caminhos, os percursos que mais um ciclo apresentará a cada um de nós. Que no desejo de sermos futuro, não vivamos no passado, aceitando o presente que traduzimos na palavra vida. Feliz Ano Novo!

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e vive em busca de ser presente em cada dia – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br