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aplicativo

Se não estou muito cansada, sempre que faço uso de aplicativos de transporte urbano, aproveito para conversar com os motoristas. Eventualmente há alguns que optam por colocar uma música alta, deixando claro que não querem papo furado com passageiro. É preciso, assim, ficar atenta às sutilezas.

Quando, por outro lado, o motorista ou a motorista, porque há mulheres também, ainda que sejam minoria, tem postura que não me agrada, finjo falar ao telefone. Só não finjo dormir, porque, nesses casos, melhor manter os olhos bem abertos. Na semana que passou, precisando voltar para casa após um compromisso no centro de São Paulo, não quis arriscar ir até o metrô e chamei um carro de aplicativo.

O motorista, todo simpático, foi logo puxando papo. Sei lá como começou, mas iniciamos a falar sobre a vida e a necessidade de aproveitá-la, eis que tudo passa rápido demais.
_E eu não sei? – falou-me ele. Acabei de fazer sessenta anos e tenho que aproveitar o tempo que me resta. E eu espero que reste bastante, porque não bebo, não fumo, não tenho vícios.

De fato, ele não aparentava ter sessenta anos, muito embora a cada dia eu me pergunte se há uma aparência única para cada idade. No fim tudo é uma questão de referencial. Mas enfim, ele tinha uma aparência saudável e eu sorri inevitavelmente ao ouvi-lo dizer que ganhou um prêmio especial ao se tornar sexagenário, pois se tratava do cartão de estacionamento para idosos.

_Eu nem sei onde eu estava quando todo esse tempo passou – prosseguiu dizendo e, àquela altura, já não tinha certeza se falava comigo ou com ele mesmo.

Trânsito congestionado e o papo seguiu. Contou-me que comprou uma televisão de mais de setenta polegadas. Aproveitou a Black Friday e comprou sem dó. Separado, sem filhos, assistir séries era seu passatempo preferido. Mencionei que comprei um ou dois livros (números verdadeiros proibidos de serem revelados), só para não deixar passar a oportunidade, afinal de contas, o importante é aproveitar a vida.

Pelos próximos minutos segui mais calada, pensando em quanta vida tenho que ter para dar conta de ler todos os livros que eu tenho, mas afastei rapidamente a ideia, porque todos nós sabemos que não serei detida facilmente. Melhor aceitar minhas falhas e torcer para que meu número demore a ser chamado ou que seja possível ler em outros planos.

Em poucos quilômetros rodados eu já sabia do divórcio, dos períodos morando em outros países e até mesmo do namoro recém terminado, embalado pelo firme propósito de nunca mais juntar escovas com outro ser humano. “Prefiro namorar, porque do resto já tenho preguiça, ainda mais agora que tenho a desculpa de ser idoso” – afirmava, entre uma risada e outra.

Ao fim da corrida, agradeci pelo papo e, intimamente, pela crônica que ele nem imaginava que havia me ajudado a escrever.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e tem sempre ouvidos para boas histórias – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br