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gatinho

Quem ama cuida e se preocupa, sempre conhece o ser amado, seja ele gente ou bicho. Só de olhar para algum dos meus animais de estimação eu sei se há algo errado. Registro que sempre estou atenta a qualquer sinal, porque quando um animal adoece, a enfermidade costuma evoluir muito rápido e requer medidas imediatas.

Neste ano, de forma inesperada, tive que fazer uma viagem até a Alemanha. Sem que houvesse qualquer planejamento, lá fui eu viver uma das mais ricas experiências da minha vida. Em algum momento, provavelmente, narrarei sobre minha curta estada em terras germânicas, mas o fato é que tão logo voltei para casa, cansada e ainda perdida pelo fuso de cinco horas de diferença, notei que o Bento, meu gatinho preto, não estava normal.

Mais magro, estava com um olhar meio perdido e, em alguns momentos, pareceu-me catatônico. Com receio de que o estado dele se agravasse, corri até uma emergência veterinária, mas depois de aguardar por mais de uma hora e de receber a notícia de que ainda seria necessário aguardar outras inacreditáveis três horas, saí do lugar indignada, além de muito preocupada.

No caminho para casa me lembrei de que uma jovem veterinária que atendia em domicílio acabara de se mudar para nossa rua. Após rápida troca de mensagens, ela, que estava em uma festa familiar, veio para um primeiro socorro, constatando que o gato estava desidratado. Entre miados e tentativas de fuga conseguimos dar um pouco de soro e remédio a ele que, de fato, manteve-se melhor no dia seguinte.

Na primeira hora da segunda-feira eu o levei até o veterinário de nossa confiança, o responsável por cuidar da bicharada toda aqui de casa. Depois de muitos exames, acabamos internando-o durante três dias, a fim de que se recuperasse. Muito embora ele tenha se mantido bem, em muitos momentos eu duvidei que ele voltaria para casa.

Além disso, como se não bastasse a tristeza que se apossara de mim, por ver justamente o único dos gatos que eu mesma resgatara, equilibrando-se entre a vida e a partida, descobri, entre um espirro e outro, que estava com COVID. Tudo junto e misturado. Um caos e duas tristezas, quase eclipsando minhas lembranças de dias ímpares e drenando a energia que eu supostamente importara.

Vacinada, a expectativa de que os sintomas seriam leves se confirmaram, mas admito que o resultado do teste rápido me causou pavor. Mil coisas passaram pelo meu coração e pelas minhas ideias. Isolada dentro de um quarto, segui lecionando a distância e tentando trabalhar normalmente, sem sequer poder acompanhar o meu gatinho mais de perto, pois não podia ir visitá-lo.

Os dias se passaram, a Covid foi embora e meu Bentinho voltou para casa. Ainda inspira cuidados e nem sabemos se irá se recuperar plenamente, mas sigo fazendo meu melhor, um dia de cada vez. Não sei o que o futuro aguarda para ele, aliás, para ninguém. Só concluo que a vida é incrível, linda e frágil demais.

No fim de tudo, nem importa para onde podemos ir, eis que nosso coração permanece preso a quem e ao que realmente faz sentido. O que nos liga a tudo e a todos que nos são caros é tão delicado que até parece irreal. Não se rompe pelas distâncias, mas pode se partir sem mandar avisos.

É preciso celebrar cada dia de saúde, nossa e alheia. Neste momento, olho para o meu gatinho e sinto que o fio da vida dele está ainda mais tênue, mas nele me seguro como quem impede que um balão se vá ao Céu. Ainda há festa aqui para ele alegrar. Empresto dele uma das vidas ao Criador, mas peço encarecidamente que deixe comigo, por mais alguns anos, as outras seis.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e tenta viver um dia de cada vez – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./ www.escriturices.com.br