Sempre gostei de feiras livres. Gosto de andar entre as pessoas, observar as frutas, verduras e legumes frescos, de constatar a variedade de alimentos que podemos consumir de forma saudável. Isso sem dizer que muitas vezes nestes meus vinte e dois anos como cronista encontrei inspiração para novos textos em meio à movimentação das pessoas.
Hoje, inclusive, foi o caso, embora não pelas melhores razões. Gosto de comprar pastel no dia da feira, substituindo o almoço. É uma pequena regalia e exceção calórica a qual me permito em nome de viver uma vida gastronômica transgressora para quem odeia frituras em geral. Assim, aproveito o passeio com as cachorras, já passo na barraca do pastel e encomendo o meu preferido, para ser retirado mais tarde. A família de japoneses e funcionários já me conhece pelo nome e sequer preciso fazer mais do que passar, confirmar o horário e pagar.
Em um dia como hoje, de céu azul, ensolarado, na promessa de mais calor e chuvas fortes ao final da tarde, as primeiras horas da manhã representam um oásis que não desperdiço. Como regra, respiro fundo e tento relaxar antes de que a roda dos compromissos comece seu giro frenético. E foi exatamente numa respirada mais funda que senti que algo estava fora do contexto.
Para melhor descrever a imensidão da minha indignação é preciso voltar um pouco no tempo. Há alguns anos, na calçada da minha rua havia um espaço de terra onde somente mato ou flores espontâneas surgiam. Resultado de um programa mal executado pela Prefeitura e da ignorância da população, o lugar estava abandonado. Por minha conta e risco consertei a calçada e plantei flores.
Além das espontâneas como dentes-de-leão e outras, que agora não são mais arrancadas de forma mecânica e indiscriminada pelo pessoal da Prefeitura, há um lindo hibisco vermelho, cujas abundantes flores de pétalas dobradas enfeitam o verde bandeira das folhas. A despeito do meu cuidado e vigilância para manter o local, já flagrei de tudo, desde pessoas que arrancam galhos por mero vandalismo, até quem pegue flores para arranjos, entre outras atitudes que prefiro não mencionar.
A pior, entretanto, relaciona-se, tenho certeza, à realização da feira livre. Assim como já ocorreu algumas vezes, sempre no dia da feira, alguém vai até o canteiro de flores e, escondido atrás do hibisco, defeca no local. Pouparei os leitores dos detalhes, mas além do que lá fica, ainda joga o papel higiênico utilizado. Assim, eu me pergunto por que razão alguém que já vai com o intuito de se aliviar e se limpar, não pode também levar um saquinho e recolher o que fez?
Óbvio que não é o lugar para isso. Ao que me consta as feiras livres não contam com apoio logístico sanitário para os feirantes, o que é lamentável, porque ninguém aguenta (eu não consigo, rs) ficar quase dez horas sem ao menos fazer xixi.
Uma padaria das imediações cede o banheiro eventualmente, mas creio que não atenda a todos. Então, sim, eu compreendo as dificuldades, mas não me conformo de ver o canteiro que cuido com tanto esmero, retirando lixo que lá depositam todos os dias, ainda ser transformado em banheiro.
Minha revolta, assim, é mais pelo descaso de quem limpa o próprio corpo, por assim dizer, mas é incapaz de ter consideração pelos outros e recolher o que somente a ele diz respeito. Sem dizer que, ao comprar as coisas na feira, ocorre-me que nunca sabemos por onde andaram as mãos alheias, mas isso é já é assunto para outro texto, aplicável a qualquer estabelecimento que venda comida. Uma questão de educação e de também de álcool em gel.