Exibido em 1993, o filme Um Dia de Fúria, estrelado pelo excelente Michael Douglas, mostra um dia na vida de um homem perturbado emocionalmente que segue eliminando todos que se colocam no caminho dele. Curioso como alguns filmes e livros marcam nossa memória. Eu, que sou péssima para memorizar títulos, inclusive de livros, por alguma razão nunca me esqueci desse.
Resguardadas as proporções e, claro, a licença poética de um filme que exagera nos fatos (ou não?), creio que a produção tenha como um dos propósitos o de demarcar as fronteiras insólitas entre a sanidade e a insanidade nossa de cada dia. Não raro, inclusive, há notícias sobre pessoas que, rompendo uma aparente e habitual normalidade, explodem em rompantes de violência e vingança. Outras pessoas implodem e fazem a mesma coisa.
Por óbvio que se espera de todos o mínimo de trato social e, sobretudo, que ninguém saia por aí destruindo coisas, muito menos ferindo animais e pessoas. Contudo, é inegável que a imensa maioria de nós vivencie dias de fúria, quando nos sentimos prestes a romper as linhas tênues e paradoxais da nossa civilidade, porque, seja como for, viver e conviver não são tarefas fáceis, ainda que fascinantes.
Pessoalmente, vários foram os momentos nos quais imaginei o que aconteceria se eu me fizesse de doida e saísse por aí dizendo tudo o que penso. As consequências, creio, poderiam ser desastrosas. Assim que se deu a aprovação maciça pela Câmara dos Deputados Estaduais de São Paulo de uma lei que vai dificultar em muito o acesso do cidadão paulista à Justiça, eis que majora as custas judiciais entre 50 a 100% em algumas hipóteses, precisei me desligar de todo contato social por quase um dia para não surtar.
De sanção governamental quase certa, essa lei vem de encontro a uma população e advocacia que mal se recuperam de uma crise mundial e, estou convicta, não atende ao interesse social. No meu dia de fúria esse texto teria um teor muito diferente, mas como advogada eu sei das consequências de dizer o que se pensa em um país cuja segurança jurídica, não raramente, vive na corda bamba. Enfim, segue o barco e mudemos de assunto.
Quem me acompanha há mais tempo já sabe do meu especial apreço pela natureza. Assim, há alguns anos venho cuidando de um canteiro na rua de minha casa. Mandei arrumar a calçada, plantei flores e vivo limpando a sujeira que jogam lá quase diariamente. Há semanas eu flagrei uma senhora que, creio, deveria ter mais de sessenta anos, arrancando de lá vários galhos floridos. Mentalmente eu me transformei no incrível Hulk e, reunindo todas minhas forças, tentei me manter civilizada.
Inquirida, a mulher me disse que achou que não era de ninguém, pois estava na rua. E eu fiquei só pensando em que mundo ela achou que isso daria a ela o direito de vandalizar.
Informei a ela que, se quisesse uma muda, eu teria prazer em doar, mas pedi que não arrancasse mais a esmo os galhos, inclusive aqueles cheios de botões, alguns dos quais ela jogara ao chão.
Hoje, dia em que escrevo, tem feira livre na rua de cima e, voltando do matinal passeio com as cachorras, passei ao lado do canteiro para dar a conferida de sempre. Eis que me deparo com vários galhos de outra planta, que conheço como trombeta e notei com tristeza alguns galhos cheios de flores, jogados ao chão. Quem fez isso o fez para usar o canteiro como banheiro, abandonando os destroços e o papel higiênico sujo.
Daí eu penso que a pessoa leva o papel para se limpar, mas se acha no direito de largar lá a sujeira, ainda destruindo o que outros, no caso eu, cuido com tanto carinho. Como todo respeito aos meus amigos feirantes, estou certa de que é obra de alguém deles. Então, na minha fúria interior eu me imagino com um megafone informando a todos que as câmeras filmaram o autor dos fatos e que agora será exibido em um telão para glória de todos. Para sorte alheia ditas câmeras não existem. Só os dias de fúria interna e imbecilidade humana é que são reais.