images/imagens/top_2-1-1024x333.jpg

folhas 1

Andando pelas ruas do meu bairro, sigo admirando os muitos ipês que todos os anos dão espetáculos de cores. Bem na rua de casa há um enorme, rosa, que inclusive já foi personagem central de vários textos meus. Na rua de cima, mas no mesmo quarteirão, há dois brancos que costumavam forrar a rua, vestindo-a de noiva, mas que depois de sofrerem uma poda mais radical, embora tenham florescido, ressentiram-se.

Sempre que saio para os curtos e diários passeios com as cachorras nesta época do ano, vou conferindo quais as árvores que mais floresceram. As mais jovens, plantadas há pouco tempo, ainda ensaiam as primeiras floradas, com promessas de futuros bem coloridos. Outros, mais velhos e imponentes, espalham suas flores e sementes de forma abundante, generosa. A árvore de frente a nossa casa, um velho e mirrado ipê amarelo, esforça-se todos os anos para dar algum colorido aos galhos retorcidos e finos, sem muito sucesso.

Uma das coisas que me encanta nas árvores é que elas fazem a parte delas, do jeito que podem. Cada uma floresce ou dá os frutos que é capaz de produzir. Ainda assim não deixam se fazê-lo, ao contrário de nós, seres humanos, criaturas minúsculas, complexas e complexadas. Autointitulados donos do mundo, destroem o que não compreendem, o que não se dobra diante de caprichos dessa criança tola e mimada da Criação.

Nessas mesmas caminhadas notei, entre os muitos prédios que vão transformando para pior a paisagem dos bairros residenciais, muitas árvores que, posicionadas no meio dos terrenos de ditos empreendimentos, estão condenadas à morte, só aguardando que o concreto se aproprie de tudo. Repletas de flores e de frutos, seguem suas sinas, seus propósitos, alheias ao fim que se anuncia. Para mim são o símbolo mais puro da resistência, da perseverança.

Talvez, se tivéssemos olhares mais atentos às lições da natureza, poderíamos ser, nós também, criaturas melhores, mais integradas a um mundo em que só habitamos, mas não é nosso. E que me perdoe quem pensa o contrário. Não estou negando religiões ou crenças, porque meu ponto é que fazemos parte de tudo isso, da vida que existe sobre este planeta ao qual tão maltratamos, mas que não nos é dado destruí-lo e tratar todas as outras existências como insignificantes.

 que eu posso pensar diante de um ipê amarelo cujas flores deitadas ao solo se misturavam à imensa quantidade de lixo deixada aos pés da árvore? Que cada um faz a sua parte: a árvore e os homens. Nossas marcas, indeléveis, podem ser de progresso, de tecnologia e de bondade, mas as pegadas da destruição ainda desequilibram essa equação.

E assim, eis que chega um novo setembro, mês das flores da primavera e do verde da Pátria. Para mim, patriotismo é honrar o solo em que eu habito, que me acolhe e me alimenta, mas não envolve mais nenhuma figura política em especial. Como as árvores, acredito que devamos fazer, cada um de nós, a nossa parte, pelo que acreditamos, pelo mundo, pelo outro e por nós mesmos.

E que o tanto que fizermos seja como a semente que os ipês, depois de perdidas todas as flores, espalham ao vento, pois só o exemplo edifica, engrandece. Mesmo que aos nossos pés depositem desesperança, cubramos o lixo alheio com as cores da nossa existência, com a força de vontade que mantem nossas raízes firmes, mesmo quando tudo parece cinza.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada e professora universitária – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br