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plantas

Perdi uma amiga recentemente. Quase minha vizinha. Passado o susto inicial, embora a tristeza seja uma constante, a família precisou tomar as providências para desocupar o imóvel onde ela morava sozinha, pois era alugado.

Esse especialmente é um dos momentos que considero mais tristes do final de uma existência: o inventário das pequenas coisas. Como advogada sou acostumada com os trâmites legais relativos aos bens de maior valor que as pessoas deixam. Providências legais que precisam ser tomadas, eis que não se leva nada físico deste mundo. Não é a isso que me refiro.

O que me toca em particular é o destino que é dado àquelas miudezas que vamos juntando durante nossa existência. De uma hora para outra não somos mais nada. Simplesmente desaparecemos. Registros de nossas vozes e imagens restam por aí nos celulares alheios, em velhas fitas ou em arquivos digitais, mas não somos mais nós a habitar aquele lugar. Trata-se tão somente de ecos do que fomos.

Aquele recorte de jornal que guardamos para ser lido em outra hora, aquele projeto iniciado e inacabado, aquele perfume guardado para momentos especiais, aquela roupa de sair, nosso travesseiro preferido, a barra de chocolate comida pela metade, tudo se transforma em nada, destituído de sentido para aqueles que ficam.

E quem fica também não tem culpa de nada, pois a vida continua, até que não continue. Mas enquanto se está deste lado é preciso seguir. Temos que nos debruçar sobre o que era a vida dos outros, daqueles cujas viagens partiram antes de nós. É momento de separar as roupas, os livros, móveis e todos os pertences, úteis e inúteis que se acumulou.

Na casa da minha amiga, agora já vazia, havia várias plantas das quais ela gostava e cuidava. Uma roseira, alguns antúrios, violetas e orquídeas. Nada caro ou exótico, mas cujas flores eram comemoradas com alegria. Em um esforço familiar e dos amigos, em pouco tempo tudo na casa teve um destinatário, dividindo-se uma vida em inúmeros pedaços.

As plantas, imóveis, pareciam expectadoras inocentes. Um cenário de anos que deixara de existir. Uma delas fora presente de aniversário, dado há poucos meses, por mim. Sem quem as quisesse, muitas delas vieram para minha casa. Uma, depois de perder as folhas, quase duas semanas depois, parece querer reagir. É quase como se soubesse que algo, além do ângulo que o sol passou a incidir sobre ela, mudou para sempre.

Todos os dias passo um tempo com minhas plantas, seja para lhes dar água, seja para admirá-las. Lá estão também minhas novas hóspedes. Se elas falassem, o que me diriam? Só sei o que me transmitem, mesmo sem dizer. Em outros locais tenho plantas que ganhei, há alguns anos, de amigas idosas, também vizinhas, que tendo que se mudar para perto dos filhos ou para um asilo, desfizeram-se dos seus vasos.

Recebi cada um deles como quem ganha um tesouro. Sei o quanto importaram, o carinho que receberam. Olho minhas próprias plantas e me pergunto se um dia alguém se lembrará delas, se terão a chance de se mudarem, de ocuparem outros lugares, outros lares, outros corações.

No fim das contas, o que realmente importa? Qual o sentido de acumularmos o que não precisamos? Ninguém sabe ao certo o momento em que a ampulheta de nossas horas se esvaziará, mas tendo buscado ressignificados. Seguirei plantando minhas flores, cuidando dos brotos alheios e enquanto eu viver, sempre haverá um lugar para as plantas que também precisam se mudar.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e além de plantas, cultiva certa melancolia – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br