Para o escritor holandês Arthur Schendel “a única amizade que vale é a que nasceu sem razão”. Não sei se concordo por completo, mas é incrível como algumas amizades realmente surgem onde menos supomos e como acham caminhos para chegar até nós. Em minha vida tive a alegria de alguns encontros desses, inesperados, de amizades não prováveis ou pensadas, mas que assumiram lugares importantes, indispensáveis.
Hoje mesmo, mudei o tema deste texto por conta de uma amizade dessas. Desde o início da semana eu tinha um assunto em mente, nascido de uma conversa com alunos, em sala de aula. Aliás, perdi as contas de quantos amigos a vida me presentou através do magistério. Nem tenho como nomeá-los aqui, porque nesse espaço não cabe o meu coração e muito menos as histórias que com eles vivi e sigo vivendo.
Sinto saudades de todos os meus amigos, a propósito. Daqueles que se foram, daqueles dos quais estou distante fisicamente, daqueles que a vida afastou, amornando o que um dia foi intenso e mesmo daqueles que nem se consideram mais meus amigos. Provavelmente, inclusive, eu inclua na categoria de amigos pessoas que não me veem dessa forma.
É que amigo não tem que ser necessariamente alguém com quem se divide segredos ou que desfrute de nossa intimidade. A amizade, creio, pode ser experienciada de modos diferentes.
Da forma como sinto, é meu amigo todo aquele com quem sou capaz de me reunir para um café, para uma boa conversa, que me reconhece em meio a outras pessoas e que me dirige um sorriso de reconhecimento, daquela cumplicidade boba e que não requer explicações, que me oferece um abraço, uns minutos, um livro ou, o melhor tipo, o que é capaz de tudo isso junto. Amigo é também quem me aceita e me perdoa, apesar de me conhecer.
Sou acumuladora de amigos e nem nego. Não porque muitos gostem de ostentar tal título em relação a mim, mas porque eu gosto muito de como eles me fazem bem, como me sinto estranhamente feliz por dividir com cada um deles partes da minha história. Alguns amigos se perdem de nós pelos caminhos e, se eu pudesse, traria cada um deles de volta, mas entendi que algumas amizades não nos acompanham para sempre ou talvez não na mesma sinergia. Isso não quer dizer que não foram intensas ou verdadeiras, que não valeram a pena.
Sobre amizades inusitadas, mais de vinte anos de crônicas semanais também me trouxeram amigos. Fiz amigos até mesmo lá na terrinha. Meu amigo Humberto, com quem nunca me encontrei pessoalmente, durante mais de uma década publicou meus textos no blog dele e pelas redes sociais seguimos nos acompanhando. Atualmente ainda envio meus textos, apenas para que ele leia se quiser, eis que agora está no tempo merecido do descanso. Meu amigo, se você ainda tiver paciência para os meus textos, receba minha gratidão por todos esses anos de trocas literárias.
Vez ou outra recebo e-mails de leitores, pessoas que, por alguma razão se identificaram com algo que escrevi. A imensa maioria se restringe a uma ou duas mensagens, as quais sempre leio emocionada. Eventualmente, porém, as coisas tomam outro rumo e amizades cheias de significados poéticos surgem. Hoje, enquanto falava com um desses amigos ao telefone, um leitor passado dos oitenta, com quem nunca me encontrei e cujo nome preservo aqui apenas por cautela, ouvi dele que meus textos o transportam para outro lugar.
Desliguei o telefone com os olhos marejados.
Não sei a que lugar ele se refere, mas ele me trouxe até aqui, na inspiração da amizade, de como ela faz tudo valer a pena, mesmo quando a vida mesma parece não fazer sentido. Assim, em retribuição, no quase nada que posso pela gentileza de todas as palavras que ele me dirige, pela generosidade de ler o que escrevo, eu agora o transporto, de fato, para dentro dessas linhas, tradução inacabada do meu carinho e gratidão, onde nossa amizade se eterniza, simbolicamente.
Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e acredita que amigo é coisa para se guardar do lado de dentro do texto –